Servidão

A atualidade de um discurso de outrora


Não é de espantar a prática “tiranizante” que tem se prolongado até nossos dias, de modo estendido e camuflada por simples retórica. É sob o prisma da tirania que o modo de governar, em grande parte, tem seu fundamento e tem sua face voltada àquele espelho que reflete a opressão e o sustentáculo do poder de um só.

Essa tirania distorcida através de outras nomenclaturas governamentais é uma forma agradável, para o que se diz governante, de estabelecer o domínio e a servidão. O governo recruta aqueles que ele pensa serem seus servos mais devotos e mais leais. Estes pactuam de maneira efetiva com seu senhor, e prometem fidelidade e lealdade por meio de suas práticas condizentes com o querer deste.

A atualidade na obra de Étienne de La Boétie, Discurso sobre a Servidão Voluntária, é percebida, dentre vários outros, nesse aspecto de recrutamento: “Sempre houve cinco ou seis que tiveram acesso ao ouvido do tirano, e se aproximaram dele mesmo, ou foram por ele chamados, para serem cúmplices de suas crueldades, companheiros de seus prazeres, alcoviteiros de sua luxúria e parceiros nos bens que pilhavam."

É dessa forma que os senhores apoderam-se de cidades, estados e até países. Criam seu próprio círculo de tiranetes (capachos), para que, dessa forma, espalhe e imponha com mais facilidade seu jugo, ou seja, a opressão. Aqueles cinco ou seis que foram recrutados pelo tirano agora espalham seu domínio ao restante da população e lutam ferrenhamente em prol do interesse do seu senhor.

Nas cidades de menor porte, torna-se mais fácil o entendimento dessa tese la boétiana. São os homúnculos de intelecto vazio que se deixam tornar tiranetes. Deixam suas vidas de lado para viverem a vida do seu superior: “A eles, não basta obedecer-lhe, é preciso ainda agradar-lhe [...]" 

A vida própria deixada para trás pelos servos é a marca característica de homens pequenos cultura e intelectualmente. Homens que se deixam dominar por apenas um e ainda o ajudam a disseminar sua política suja. Eles gostam mesmo é de migalhas e de reconhecimentos fúteis. Essas migalhas são os passatempos, os festivais e as pequenas obras públicas promovidos pelo governante. O reconhecimento é de reconhecê-los enquanto sub-tiranos. A servidão e a tirania são sustentadas pelo senso comum daqueles que as suportam.

Comentários

  1. Frei Martinho encaixa-se perfeitamente.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Em todo lugar é assim. Por isso que a obra que mencionei não se torna anacrônica. Parece ser universal e sempre.

      Excluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Dênis,

    Como sempre o seu texto é preciso. Você traz à tona, com um argumento objetivo, a obra de Étienne de La Boétie.

    O livro de La Boétie é simples de entender e é necessário para todos que se importam com a liberdade de servir aos seus próprios desígnios. É para quem não aceita a opressão de poucos sobre muitos. É para quem repudia a subserviência dos pequenos tiranos...

    Seu Blog é um endereço no ciberespaço que vale a pena ser visitado.

    Parabéns pela simplicidade e objetividade do seu discurso.

    Grande abraço!

    Manassés

    .

    ResponderExcluir

Postar um comentário