Ciência


De mito para mito

Mitificaram a ciência. Fizeram-na responsável pelas mais variadas respostas acerca de tudo; a detentora da “verdade absoluta”. Mal sabem que a ciência é recorte da realidade. A ciência não é capaz de descrever a historicidade humana. Não é capaz, tampouco, de prever o rumo da humanidade.

Deus foi invertido. Agora chama-se “Ciência”. O mito continuou sendo mito. A falsa sensação de que as experiências empíricas são a chave da verdade transformou o conhecimento científico, pretensamente, no grande Oráculo.

O humano e a humanidade escapam ao escopo científico. O fluir historial não pode ser captado por um recorte específico. A ciência é demasiado analítica para abarcar a totalidade da história. O eu, o outro, a humanidade, o mundo e a história são excludentes no que concerne à análise sistemática da cientificidade.

A complexidade da fluência existencial é superior a qualquer aspecto particular que tenta descrever a realidade.

O francês Henri Bergson afirmou: “Uma representação tomada de um certo ponto de vista, uma tradução feita com certos símbolos, permanecem sempre imperfeitas comparadas com o objeto representado, ou que os símbolos tentam exprimir. Mas o absoluto é perfeito no sentido de que é perfeitamente o que é.” Assim, a ciência, montada sobre seus próprios dogmas — signos e metodologias interessadas —, trata dos seus objetos de estudos a partir de um recorte específico deles.

Conhecer, dessa forma, pensando de acordo com o filósofo supracitado, é uma atividade mais íntima com a própria coisa a conhecer. É uma harmonia conjunta. É coincidir-se com o cerne do problema. E a ciência não tem essa capacidade de entrelaçar-se com seu objeto de estudo. Não por “culpa” sua, mas por questão metodológica e de finalidade. A ciência tem por objetivo a manutenção e melhoria da sobrevivência.

Com o Iluminismo, o mito científico instalou-se na racionalidade dos nossos dias. A ciência tornou-se o Deus dos medievais.

É preciso enxergarmos que nossa vida e o mundo como um todo não são abarcados pelos ditames nem pelas traduções da cientificidade. 

Somos uma continuidade. Somos um conjunto sucessivo no tempo. Não somos partes coladas que resultam num corpo e esse, por sua vez, se fixa numa história feita de momentos distintos. A vida é de uma sutileza tamanha que não dá para constatarmos fatos que não sejam formados a partir de uma conexão historial.

Comentários

  1. Denis,

    Este é um dos melhores textos seus.

    Dentro dessa sua discussão, recomendo a seguinte leitura:

    ALVES, Rubem. Entre a ciência e a sapiência. São Paulo: Loyola, 2007.

    Recomendo a terceira parte:

    III. Aos que moram no templo da ciência

    O que é cientifico? (I)
    O que é cientifico?(II)
    O que é cientifico?(III)
    O que é cientifico?(IV)
    O que é cientifico? (V)
    O que é cientifico? (VI)
    O que é cientifico? (VII)
    O que é cientifico? (VIII)

    Você poderá ler esses capítulos aqui:

    http://pt.scribd.com/doc/24341777/ENTRE-A-CIENCIA-E-A-SAPIENCIA-Rubem-Alves

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