Existencialismo

Movimento

Acordei novamente. Mais um dia pálido. Um marasmo que me parece ser uma companhia inseparável. Está tudo cinza, tudo magro e gordo ao mesmo tempo. Magreza por falta de conteúdo dado e obesidade por excesso de sentido atribuído. Olho-me no espelho e vejo-me como mais uma coisa neste mundo objetivo. Logo meu mau humor me repõe a certeza de que não sou apenas um pedaço de carne lançado ao relento.

Volto ao espelho e vejo que minha apatia faz enxergar-me de outra maneira. Tudo hoje — e a cada acordar — perde, ou não, o sentido que dei ontem. Uma nova (ou mesma) melancolia volta a me importunar. Logo penso: “eu não seria apenas um animal, uma vez que sei o que agora sinto.” Já não sou mais aquele que dormia sem sentir, mas continuo sendo aquele que, para dormir, precisou ser quem ele era. Para dormir, preciso ser eu mesmo, mesmo que eu não saiba o que é este Eu.

Lavei o rosto. Insistência social. Afinal, vivo em um aglomerado de regras civis. Vivo apertado entre minha liberdade e a clausura imposta pela Instituição cívica, sem quase espaço para exercer-me enquanto sou alguém que tenta se instalar concretamente neste espaço mundano. Meu banheiro é só mais um lugar onde percebo que meu corpo vive uma ambiguidade inescapável: ora age em virtude de mim mesmo, ora age em detrimento de suas necessidades biológicas, objetivas.

Minha casa é um refúgio para mim. Um refúgio daquele mundo que se encontra lá fora, mas que me abarca irremediavelmente, mesmo aqui dentro e sozinho. Preciso me refugiar. Do contrário, eu seria esmagado por tantas representações e sentidos que precisaria dar ao mundo, às coisas e às pessoas.

Como mais uma prova dessa ambiguidade corpórea, bebo meu café. Meu invólucro precisa estar abastecido para recomeçar e dar continuidade a uma vida que é inevitável em ato, assim como a morte o é em potência. Como para viver e, ao mesmo tempo, caminhar em direção à morte. Aprecio um café que, apesar de meu corpo necessitar do alimento, o sabor e a apreciação da refeição serão diretamente influenciados pelo meu estado de espírito momentâneo.

Diante de tantas obscuridades que nos deparamos, o que é a vida? O que significa viver? Meu café da manhã serve como uma espécie de diário organizacional das tarefas do dia. Com meu mau humor, vou elencando o que deverei fazer durante aquele pequeno espaço de tempo cronológico que deram o nome de “dia”. Este não é uma fração da minha vida, e sim a minha vida. Tentamos separá-lo para tornar a existência mais exequível, menos bagunçada.

Logo meu humor mórbido se reduz e se esvai, deixando-me menos preso às situações que possivelmente eu me encaminharia. Com isso, vejo que eu não sou imutável. Sou maleável ao ponto de ser indefinido, porque sou escorregadio. Sou aderente apenas no que eu desejar ser, provando, assim, que minha intencionalidade me leva aonde eu quiser ir, ou, simplesmente, ficar. Posso transformar a palidez da aurora na qual acordei na cor vivaz do crepúsculo no qual terminarei mais uma pretensiosa fração da minha vida.

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