O corpo

Um corpo primitivo é um corpo objetivo, descrito pela ciência e submetido às leis naturais. O corpo humano ultrapassa esta simples descrição. Há, nesta dimensão corpórea, enquanto viva, uma duplicidade inerente: um corpo que é sujeito e um corpo que é objeto.

Num cadáver só a sua objetividade permanece. A complexidade subjetiva se esvai. O corpo deixa de ter seu aspecto duplo e cai na mesmice objetiva, de uma coisa inerte, inanimada.

Meu corpo é o ponto de relação necessário — mas não suficiente — de mim para com o mundo. 

Quando toco as teclas do meu computador para escrever este texto, não é apenas o meu corpo objetivo que o faz. É preciso minha subjetividade operar sobre ele para que tal ação seja possível: a intencionalidade.

Enquanto pressiono tais teclas, as sinto com minha objetividade corpórea, mas, ao mesmo tempo, exerço também uma atividade subjetiva de senti-las. Isso porque não simplesmente me choco contra elas, e, sim, as trato como um intermediário entre mim e você que lê. Assim, o corpo que toca e o corpo que é tocado são, paradoxalmente, os mesmos e distintos.

Portanto, nosso corpo é esta mescla de sujeito e objeto situado num mundo vivido — o mundo da vida. Aquele é, necessariamente, nosso ponto de referência para todas as ações. 

Só a morte cessa esta duplicidade corporal. Ela transfigura-o numa monotonia trivial, numa simplicidade banal, a mesma que encontramos em qualquer objeto mundano.

Invariavelmente, se sou sujeito, também sou corpo.

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