João e José são bons amigos que, quando juntos, gostam de refletir sobre os problemas e os enigmas que afligem a existência. Certa vez, numa bela noite de céu estrelado, divagavam sobre a subjetividade humana. O assunto da vez era tentar entender se o psíquico é um fenômeno puramente biológico, construído a partir de reações físico-químicas do cérebro.
João defendia que sim, ou seja, que o sujeito psicológico é apenas “controlado” pela máquina cerebral. José defendia a existência de uma dimensão subjetiva que, mesmo sem se desvincular do cérebro, foge ao fisicalismo biológico — embora não soubesse explicá-la precisamente.
No desenrolar da conversa empolgante, João entra em pânico ao ver uma serpente vindo em direção aos dois. José, tranquilamente, acalma seu amigo e espanta o animal.
José, logo após o ocorrido, indaga seu amigo: “João, de onde vem seu medo de serpentes?” O amigo responde e, em seguida, retruca: “É um animal nojento, José! Parece ser escorregadio. É pavoroso! E você, por que não tem medo?” José afirmou que seu controle sobre o animal o deixava despreocupado.
Com isso, João ficou pensativo por alguns instantes e refletiu em voz alta: “Se eu tenho medo de serpentes e você não tem, parece que nossa subjetividade se distingue um pouco de nossa biologia... Se nosso subjetivo fosse produto exclusivamente de reações químicas, não entendo como poderíamos ter sensações distintas ao ver a serpente... Você tem seus motivos e eu os meus para não ter e ter medo daquele animal. Nossa subjetividade provoca sensações díspares em nós dois. Além disso, quando eu decido algo em detrimento ou virtude de outra coisa, não compreendo como isso é possível por meio apenas de um movimento fisicalista do meu cérebro. Você poderia correr, se afastar ou simplesmente ficar parado quando viu a serpente. Mas, não: você a enfrentou. E isso você escolheu. Como você poderia escolher se tudo fosse mecanicamente estabelecido pela nossa neurobiologia?”
Depois disso, os dois permaneceram em silêncio e o tema fez parte apenas do grande rol de problemas existenciais de cada um.
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* Para uma boa introdução ao tema e pontos de vistas diferentes, conferir as obras:
- Tipos de Mentes (Daniel Dennett); e
- A Redescoberta da Mente (John Searle).
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