GENEALOGIA | Maurício Takiguthi |
O racionalismo cartesiano, cindindo o Espírito (res cogitans) do mundo material ou do corpo (res extensa), manteve o ser afastado de suas vivências e tomadas de consciência. A metafísica de Descartes separa o pensamento e o mundo. Nesta perspectiva, o conhecimento é alcançado apenas por um movimento do cogito (pensamento) em relação àquilo que ele próprio julga ser verdadeiro ou falso.
Por outro lado, o empirismo superestima as sensações, como estas sendo a única fonte de conhecimento. Os sentidos, para esta corrente filosófica, detêm o poder de construir o sujeito, como se este fosse uma tabula rasa, como defendia o inglês John Locke, em sua obra Ensaio sobre o entendimento humano.
A intencionalidade foi fundada pelo psicólogo e filósofo alemão Franz Brentano, como já mencionado. Esta fundamental elucidação foi de extrema importância - a pedra basilar - para o desenvolvimento da fenomenologia. Brentano, em sua obra Psicologia de um ponto de vista empírico, fundou o conceito de “intencionalidade” para distinguir os fenômenos psíquicos dos fenômenos físicos.
A intencionalidade é o que, para os medievais, era a in-existência, ou seja, a existência no interior. Expliquemo-nos. Para Brentano, os processos psíquicos diferem-se dos fenômenos físicos pelo fato de os primeiros se dirigirem a algo que está fora de si; por sua vez, os fenômenos físicos não se correspondem a nada por serem destituídos desta capacidade de visar algo. Esta in-existência é aquilo que existe em intenção, isto é, algo que pretende ser ou se encaixar ao visado, como nos exemplos que Brentano lança mão: na representação, algo ou alguém é representado; no julgamento, algo ou alguém é julgado; no desejo, algo ou alguém é desejado. Em resumo, a intencionalidade é sempre esta visada em que o sujeito se lança.
Como o “discípulo” mais notório de Brentano, o alemão Edmund Husserl herda, notavelmente, sua teoria da intencionalidade para fundamentar o movimento intencional inerente ao ser, à consciência. Portanto, para Husserl e para toda a tradição fenomenológica, a consciência é sempre consciência de algo. Ou seja, a consciência está sempre voltada para o seu correlato. Em outros termos, consciência e mundo são dados coetaneamente. O mundo só tem significado para uma consciência que o capta, deixando, assim, a separação entre ambos para trás.
O francês Merleau-Ponty aprofunda a fenomenologia de seu mestre, Husserl, e também defende a consciência como este “campo” para o qual o mundo existe antes de qualquer evidenciação desvinculada de uma análise intencional. Em outras palavras, contra o intelectualismo – que deixa o Eu ilhado no processo do conhecimento, a fim de o Espírito formular toda a experiência através de ideias preconcebidas – e contra o empirismo, que defende a existência da coisa-em-si exterior formadora do conhecer, Merleau-Ponty defende que não existe coisa-em-si que não seja, antes, objeto para uma consciência que o visa.
Em resumo, a teoria da intencionalidade na filosofia fenomenológica é uma crítica às doutrinas racionalista e empirista, isso porque o intelecto e o mundo exterior não possuem mais todo o peso para o conhecimento, entre a dicotomia sujeito-objeto. O mundo só é para uma consciência que o visa e atribui significado. Não há objeto de conhecimento se não houver uma consciência para ele; e não há consciência se não houver um correlato, se não houver algo a ser visado.
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