O ódio e a vaporização do sentido


GUERNICA | Pablo Picasso
A base instintiva do ódio, ainda hoje, está exposta diariamente na vitrine das ações humanas. De raiz biológica, como instinto de sobrevivência e de manutenção da espécie, o ódio ainda domina grande parte dos homens. Paradoxalmente, dotado de grande discernimento racional, o ser-homem insiste em esbanjar seu primitivismo.

O niilismo do ódio, ou seja, o ódio ao nada, no sentido de que não há um objeto definido que seja o “direcionante” daquele instinto, é um dos pontos que denotam a fragilidade, a bestialização e a pequenez dos componentes humanos de uma sociedade.

A vaporização do sentido, nesta perspectiva, a falta de uma imbricação e coexistência com a historicidade faz com que a ação gregária – o ajuntamento de pessoas – se dissemine entre aqueles que não têm disposição para reflexão. Esta banalização de uma tarefa essencial para qualquer tipo de movimento – o sentido – é acometida pela atividade que tem como força motriz a primazia animalesca do terror e da violência pela e contra a violência – uma tentativa de sua institucionalização –, um fascismo mascarado de bondade.

A história é muito mais que um presente como reflexo de um passado; possibilita polarizarmo-nos no presente vivo a fim de reanimar todo um passado e pensar todo um futuro possível – seguindo o pensamento do filósofo francês Merleau-Ponty, em Ciências do Homem e Fenomenologia. Entendamos por “presente vivo” um conhecimento de conjuntura, de todo, de universal, que nos ancora no aqui e agora.

Neste contexto, o ódio impetuoso agrega-se à ânsia e à carência de se agitar, de tocar o mundo, de vibrar o outro, de se sentir útil, de se firmar como alteridade vívida àquele que o percebe.

O vazio deste sentimento odioso sustenta a locomotiva do “arrebanhamento”, tendo em vista que não se precisa, necessariamente, de conteúdo fundamental para seguir um grupo.

O vapor do sentido dissipa-se nos ares da multidão, e a atmosfera que os contempla logo entorpece a massa violenta, tapando todos os sentidos.

Neste meio, concordando com Karl Jaspers, é ilusão pensar que aquele instinto, que existe desde os primórdios, de dominar, tiranizar, matar, perseguir e torturar está domado. O ímpeto primitivo se esboça e transborda quando o sentido vaporiza-se e o vazio enreda o homúnculo, que o transmite viralmente para a massa.

Em suma, o ódio associado ao vazio de sentido animaliza o conjunto infectado. Quem quer pensar quando apenas o rancor impera? Na falta de ideias e de sentido usa-se a força, o extermínio e o barulho esbravejante. O esforço destes é pífio em relação a uma reflexão de construção de fundamentos.

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