O que os grandes tratados filosóficos têm a ver com a nossa vida?

UM PINTOR NO TRABALHO | Paul Cézanne
Ao nos depararmos com obras densas e que, aparentemente, nada têm a ver com nossa vida, seja por seu caráter de “abstração” ou algo que o valha, é comum termos atitudes de desprezo. Mas esta aparência é meramente preconceituosa.

Os grandes tratados filosóficos abordam problemas de nossa existência, do mundo, de tudo que tem relação entre o homem e seu meio de vivência. Todo problema filosófico remete-se à condição humana. Não se filosofa sem considerar este ponto de referência que é o homem.

Tomando apenas um tratado como exemplo, a obra mais expressiva do filósofo francês Merleau-Ponty, a Fenomenologia da Percepção não é um amontoado de conceitos sem aplicação na nossa vida. Esta obra desvela problemas substanciais no que concerne à relação do sujeito com o mundo e com outrem, em suas amplas acepções. E isso nos leva a compreender mais profundamente como nos relacionamos com os diferentes fenômenos revelados a nós, além de auxiliar outros campos de pesquisa.

É preciso entender que, antes de tachá-la como uma atividade infrutífera e desligada da realidade, a filosofia exerce a função de trazer o homem para a efetividade de seus modos de se relacionar com tudo o que o circunda.

As ciências especiais – física, química e biologia, basicamente – surgiram no século XVII desmembrando-se da filosofia, provando que, desde os antigos, esta parte do conhecimento humano sempre esteve voltada para a existência como um todo.

Neste sentido, as grandes obras filosóficas não devem ser vistas como um conjunto de asserções descompromissadas com o real, com o que há de efetivo enquanto realidade vivida. Elas “falam” de uma forma sorrateira de forma que os problemas por elas expostos, muitas vezes, só saltam aos nossos olhos depois de uma visita pormenorizada a toda esta densidade.

Em suma, os grandes tratados filosóficos têm a incumbência de nos levar a uma compreensão, essencial e global, sobre os mais diversos temas do complexo motor que é existir.

Pensando como Nietzsche, em O Livro do Filósofo [24], “o filósofo é uma maneira de se manifestar que o ateliê da natureza tem” e que “o filósofo deve simpatizar o mais profundamente possível com a dor universal” [27]. Diante disso, o filósofo – e, consequentemente, seus escritos – não é um inconsequente; ele é o responsável por estabelecer a ponte entre os eventos do mundo e dos homens e a sua inteligibilidade mais íntima.

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