Escrever para afetar e ler para afetar-se

O LEITOR | Honoré Daumier
Há outras formas de tocar que não passam pela sensação tátil. É um tocar de vibração no âmago do ser, como uma onda de calor invisível, mas que a sentimos em toda sua força e em toda sua pertinência. Não podemos dizer que não a existe. Ela é efetiva. Assim também o é aquele toque a distância.

Há um toque vibratório na escrita ou na leitura. Escrever toca o leitor de uma forma íntima, como se o escritor apontasse objetivamente o foco da problemática. Esta vibração tem um caráter metafísico, o qual escapa aos nossos sentidos e atinge o nosso modo de ser.

Há uma intimidade no texto que só é sentida quando há um pertencimento daquele que lê naquele que escreve – ou o contrário. Os interlocutores tornam-se permeados um pelo outro enquanto seres intencionais, que, ao mesmo tempo em que existem enquanto seres físicos, existem também enquanto seres que se deixam afetar no interior.

Esta in-tenção, um “direcionar-se” sempre para fora, é parte de um movimento necessário que afeta afetando-se. Isto é, a intenção, aquela existência no interior que visa o fora – seguindo aqui o pensamento do filósofo alemão Franz Brentano – é uma atividade passiva, uma vez que é preciso haver a consciência do mundo e do outro para agir.

A escrita, portanto, é um modo de atingir o outro/mundo. Este “toque imaterial” que um texto provoca é a efetivação de uma relação e da capacidade de recepção de seres que co-pertencem a uma mesma esfera existencial. Esta capacidade de recepção e de se deixar afetar é a realização do pivô que somos, para daí direcionar o sentido.

Dessa forma, escrever/ler é tocar o mundo invisível que há em nós; é tornar ao avesso o que está do outro lado de nossa face, que insiste constantemente em ultrapassá-la. O mundo/outro afetado por ideias é um ser tocado não por corpos materiais, mas por uma “estrutura” sedimentada de cultura, uma força viva que eclode em todas as relações humanas.

O ato de escrever não é meramente manchar o papel com tinta ou preencher um espaço em branco com dígitos. É, mais que isso, manter em movimento esta força viva e este poder de toque, de vibração e de afetação. Escrever/ler, em resumo, é se envolver com uma pele nova, que nos torna um só – eu e a pele. É adentrar numa gama de conhecimentos silenciosamente, na pessoalidade de nossa existência. Assim, este texto não é apenas uma sucessão de signos: ele é a capacidade de vibrar em você as variadas formas de sentir, que acontecem no avesso do seu exterior.

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