OLHOS SOBRE A MESA | Remedios Varo |
A arquitetônica da nossa existência não se dá na junção de partes orgânicas do ser biológico que somos para formar este organismo final no qual nos encontramos. Nosso organismo é apenas um “possibilitador” do macrofenômeno humano, do exercício arquitetônico que realizamos constantemente.
Este exercício é a maneira pela qual vivenciamos o fenômeno do mundo a partir da polarização que efetivamos em nós. Esta polarização significa que somos um canal que se abre para receber e uma fonte que faz jorrar seu conteúdo. Mais que isso: estamos entre as coisas, afetando-as de nossa perspectiva e por elas sendo afetados.
Não se concebe um ser vivente sem estar relacionado com seu mundo exterior. Mesmo na mais profunda meditação, o mundo que o circunda, seja no presente, seja no passado, é parte integrante da “abstração”. Isso porque seu ser é formado pela experiência.
No caso específico de um estado meditativo, a introspecção é, na verdade, uma “extrospecção”, visto que todo “conteúdo de consciência” não é senão produto de vivências no mundo. Assim como nas alucinações, na loucura e nos sonhos a meditação direciona-se às coisas vividas que nos afetam; pois, nos três primeiros, a experiência vivida e a relação para com ela são o motor de tais eventos. Extrospecção, portanto, porque não visa uma interioridade pura, mas uma forma de se relacionar com o externo.
Este macrofenômeno que somos é a totalidade sempre inacabada de intenção, percepções e ações. Somos, dessa forma, uma cola com tudo aquilo que nos circunda. Um grude que jamais se desgruda. Uma implicação direta de um-no-outro.
Em momento algum nos vemos apartados de nosso solo. Ele nos está presente mesmo no sono mais denso e na abstração mais profunda, porque para que possamos meditar é preciso que intencionemos, e, se intencionamos, é porque há algo a ser visado. E esse algo não está em nossa consciência desvinculado do exterior. É sempre um produto formado da imbricação do ser-no-mundo.
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