Uma das mentiras capitalistas

SATURNO DEVORANDO
SEU FILHO | Francisco de 
Goya
Ao assistir a dois vídeos de um economista brasileiro ultraliberal, que, paradoxalmente, defende a liberdade econômica centralizando-a nas mãos dos capitalistas, deparei-me com a falácia de seu “padrinho intelectual” Ludwig Von Mises: “as pessoas não bebem whisky porque há destilarias, mas há destilarias porque as pessoas bebem whisky.”

Esta citação misesiana é recorrente na fala deste economista. Isso, naturalmente, nos leva à falsa compreensão de que o consumidor é o opressor da indústria, e, não, o contrário. Isto é, pela alta procura consumista, a indústria se vê obrigada a produzir cada vez mais, sob a opressão dos consumidores.

No entanto, se não houvesse destilarias, ninguém beberia whisky. A destilaria é apenas mais um instrumento lucrativo. Se um jovem, por exemplo, não estivesse numa cultura que há whiskys, certamente não sentiria falta de tal produto. A falta e o consumo deste só são percebidos se houver um mecanismo despertador.

Este pensamento de Mises e, por conseguinte, do liberal brasileiro só serve como retórica àqueles que têm uma predisposição supercapitalista ou preguiça de raciocinar.

Tal frase seria correta se a essência humana fosse condicionada por consumir. Em outras palavras, se nós nos tornássemos homens unicamente pelo fato de adquirirmos bens. Pelo contrário, só consumimos porque há um capitalismo que se tece numa cultura e que dita uma “felicidade” pautada no poder de compra da população.

Este entorpecimento do capital faz com que aquele “whisky” seja consumido. Não porque o apreciador – em sua condição humana – bebe whisky, mas porque o whisky simboliza um “poder” e uma “felicidade” do consumidor, instituídos pela psicologia capitalista.

“Intelectuais” como este economista de quem falei são apenas, como diz Trotsky se referindo aos moralistas e pequeno-burgueses, “ecos servis da classe capitalista”. Não entendem que nosso modo de vida está intrinsecamente ligado à experiência vivida, e, portanto, exposto ao dilúvio propagandista de um mundo cada vez mais financeiro.

A materialização da felicidade, no sentido de falsamente exposta em bens materiais, faz o que o Passeio socrático, de Frei Betto, denuncia pela lógica religiosa: “Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno.”

O que vemos, portanto, é o horizonte crepuscular de nossa humanidade, a cada dia se obcecando diante de uma “legislação capitalista”, que tenta regular todas as relações humanas. Mais deprimente ainda quando esta legislação tenta pôr toda a culpa unicamente nos consumidores, como o faz nosso economista.

Comentários

  1. O interessante nessa questão cultural, é que você só sente a falta de algo quando está habituado, um exemplo disso são os smartfones com mensageiros. Se você nunca usou nem irá sentir falta, agora, depois que está acostumado você se sente incompleto sem ele. O mais incrível na sociedade é ela vive do consumo mas, ao menos tempo preza para que apenas uma pequena parcela da população tenha acesso aos itens, excluindo boa parte dela.

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    1. Exatamente, Adriel. Além de tudo, há uma seletividade, como você mencionou.

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  2. A maioria das feridas sociais são oriundas dessa "filosofia" dominante.

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    1. Esse capitalismo inconsequente, além de promover um "apartheid", condiciona a sociedade a um competitivismo maldoso e angustiante. Isso também nos leva a consolidar mais ainda aquela frase de Hobbes: "o homem é o lobo do homem".

      E a escola nos forma para a inclusão em tal sistema. É a deterioração das relações humanas, reduzidas à "monetarização".

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  3. "Se nao houvesse destilarias, ninguem beberia whisky". Acredito que o correto é "Se não houvesse whisky, ninguem beberia whisky". Se existe o produto whisky, existe alguem que sabe produzir e alguem que gosta de beber whisky, temos que alguem vai beber whisky.

    Se quem bebe/consumi whisky o faz por simples "poder" e "felicidade" e não por apreciacao da bebida pelo seu paladar o que explica as pessoas que não consumem este produto? elas não querem "felicidade"?

    Por que existem receitas que são inventadas e não fazem sucesso/não vende bem? Se o invidiuo capitslista só pensa no ato de consumir porque ele avalia o retorno de satisfação que o produto lhe traz?

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