Ao surdo-mudo que ouve e fala

AINDA VIDA COM FRASCO DE TINTA, LIVRO E
CARTA | William Michael Harnett

Caro Sr.,

Não vês que teus semelhantes clamam por justiça e igualdade? Tapaste os olhos para as mazelas que escapam ao limite de tua vida individual? Não percebes que teu gozo da vida social e econômica é um anseio de todos?

Tua mudez e tua surdez, referentes à tua omissão, são cúmplices da tirania e dos carrascos dos oprimidos.

Prezado senhor, grites. Mesmo que teu grito seja um eco virtual, no papel, no rádio ou na tevê, os flagelados e seus opressores irão perceber, seja para acatá-lo ou para combatê-lo. O que importa, meu senhor, é tua posição. 

Tua omissão é o consentimento tácito ou velado para aqueles que querem usá-lo, de má-fé, como um simpatizante em potencial, já que tua postura é defendida apenas privadamente.

Tu, meu caro, tornas, assim, mais um neutro num mundo no qual a neutralidade é a regra. Regra tal que fomenta a avalanche da maldade daqueles que se posicionam, mesmo para o lado do mal.

Queres ser bom, meu senhor? Então, comece posicionando-se. Esconder-se por trás de uma pretensa figura pessoal simpática para todos é comportar-se como um fantoche de contradição: sorri, ao mesmo tempo, para os lados opostos.

Sê impopular, senhor. Porque populismo é raso: não dá para aprofundar em uma posição em detrimento de sua profundidade revelar contraposições explícitas. Impopularidade é necessária aos combativos.

Quero terminar esta carta, prezado, com a explicitude de que não acredito que farás o que te pedi/conscientizei. Sabe por quê? Porque os omissos o são assim como estratégia de popularização pessoal. Eles preocupam-se apenas com si próprios.

Espero, ao menos, que os omissos com uma tendência de querer sair de sua inércia reflitam sobre seu poder de impacto numa sociedade carente.

Ao senhor, que tua omissão não oblitere a posição daqueles que se posicionam.