A desigualdade dos iguais

AREAREA | Paul Gauguin
É certo que todos nós temos interesses, sejamos homens, mulheres, negros, brancos, amarelos, índios, homossexuais, etc. O fato de ansiarmos pelos propósitos a que todos têm direito nos faz, basicamente, iguais.

Há, no entanto, uma vertente que usa esta máxima de que somos todos iguais para fomentar um discurso separatista. 

Quando as mulheres, os negros e os homossexuais – só para falar de alguns – lutam por direitos igualitários, a falsa moralidade se manifesta contra, alegando a pretensa exclusividade desses grupos, buscando regalias à classe.

Contudo, é preciso, muitas vezes, que o tratamento seja desigual para que a consequência seja igualitária. 

O filósofo australiano Peter Singer, em Ética Prática, usa um bom exemplo para ilustrar isso. Imaginemos que, numa guerra, há dois soldados de nossa companhia feridos. Um está gravemente ferido, com um membro mutilado, e o outro está apenas com um dedo fraturado. Seria prudente dar a mesma dose de morfina aos dois ou dar mais morfina ao mais grave, para sua dor igualar mais aproximadamente do menos grave?

A luta das minorias, ou daqueles que sofrem algum tipo de discriminação simplesmente por sua etnia, orientação ou raça, está baseada neste princípio de procedimentos desiguais para obter fins iguais.

Não é preciso ser um militante de causa para perceber que mulheres, negros e homossexuais, por exemplo, são vítimas de machismo e ódio diariamente. Isso apenas pelo fato de serem o que são. Ou seja, essa intolerância parte daqueles que se sentem, de alguma forma, superiores ou mesmo daqueles que afirmam todos serem iguais e, por isso, fecham os olhos para as mazelas sofridas pelos excluídos.

A coibição desse apartheid só é possível por práticas que os coloquem em um horizonte igualitário com os demais, que eles não sejam excluídos por suas condições biológicas – no caso de mulheres e negros – e por suas condições étnicas e de orientações – no caso de praticantes de “seitas” à margem e homossexuais, respectivamente.

Portanto, o princípio da igual consideração de interesses* leva em conta os interesses em si, não aludindo aos portadores de tais. Em outras palavras, por este princípio, não se diferencia aqueles que estão por trás dele, e, sim, apenas a sua igualdade.

Entretanto, baseado neste princípio, se X obtiver mais vantagem em relação a Y – não importando quem sejam X e Y – em determinada situação, logo se vê uma incompatibilidade. É preciso, então, que os interesses de X e Y sejam igualitários, sem desmerecimentos.

Quando mulheres ganham menos, quando são estupradas e assediadas sexualmente; quando negros são revistados e escorraçados de ônibus apenas por terem a pele preta; e quando os homossexuais são coagidos em sua luta e atacados, verbal ou fisicamente, na rua apenas por gostarem do mesmo sexo, fica claro que há uma incongruência com o princípio que foi exposto: os interesses de X são violentados, fazendo com que Y fique em uma posição à frente e X sofra violências seletivas.

Em suma, é preciso que os interesses das minorias ou dos discriminados sejam tratados diferentemente para que possam estar no mesmo patamar dos demais. 

Ninguém ataca homem apenas por ser homem; branco apenas por ser branco; e heterossexual apenas por ser heterossexual. Mas atacam mulheres, das mais variadas formas, apenas por serem mulheres; negros por serem negros; e homossexuais por serem homossexuais.

Uma luta por justiça igualitária não é sinônimo de exclusividade, mas apenas a garantia de usufruir de um mesmo fim de igualdade.
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* Para um estudo mais profundo, recomendo a leitura da obra supracitada de Singer, em especial o segundo capítulo: A igualdade e suas implicações.

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