O perigo da linguagem

AUTORRETRATO COMO UM SOLDADO |
Ernst Kirchner
A linha que separa um discurso honesto de um desonesto é tão tênue que a crença neles tem mais a ver com o grau de sensacionalismo presente. Isso se o ouvinte não possuir um bom discernimento sobre o tema. Assim, é preciso que nos policiemos ao ouvir certas elocuções.

A fala, como defende Merleau-Ponty, em A Natureza, reproduz em outro nível as estruturas perceptivas; preenche as lacunas da percepção. Neste sentido, podemos imaginar que aquilo que não podemos perceber imediatamente é mediado pela linguagem, para que, de alguma forma, “percebamos”.

O perigo, portanto, se encontra nesta mediação. Se caso não haja, por parte do ouvinte, um esclarecimento daquele assunto, a linguagem falada/escrita, seja de que forma for, passa a ser a única ligação com aquilo que está “escondido”. Assim, o grau de sensacionalismo causa uma boa ou má impressão, a depender apenas do talento retórico do falante.

Levando em consideração o que John Searle afirma, em Consciência e Linguagem, ou seja, que uma proposição tem sentido a partir do pano de fundo (background) de conhecimento dos interlocutores, outro perigo se constrói se o sentido da proposição ouvida, em nós, for apenas fundado com ela. Se assim o for, ficamos submetidos às direções a que o falante nos conduz.

Isso explica, em partes, o totalitarismo. A massificação de ideologias em muito se explica pelo fato de ideias proferidas como verdades eternas formarem sentidos novos em mentes despreparadas. É a junção de trazer à tona a lacuna perceptiva com a destruição de um pano de fundo frágil ou mesmo a construção de um em detrimento de sua ausência anterior.

É prudente, portanto, dilatar nosso conhecimento acerca daquilo que ouvimos/vemos, para que não caiamos em um barco que nos leva aonde o vento soprar. É preciso que a lacuna da percepção seja preenchida de forma coerente, e que o pano de fundo seja fundamental e amplamente hasteado.

Diante dessas considerações, é preciso termos cuidado com a representação do “irreal” que a linguagem proporciona, porquanto ela pretende revelar o que está submerso. Ela pode travestir uma proposição com uma falsa assertiva, tal como o artista da obra ao lado se travestiu de soldado sem o ser.

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