Por um pensamento que englobe o outro

DOIS HOMENS NO NASCIMENTO DA LUA SOBRE
O MAR | Caspar David Friedrich

O perigo de ver o outro como algo alheio a mim está no fato de, por isso, não tratá-lo como uma subjetividade própria. Tratando-o como uma coisa dentre as outras no mundo, corro o risco de destituí-lo de interesses individuais.

Essa destituição acontece devido ao nosso olhar objetivo, ou seja, lançar um olhar que torna o visado uma “mecanicidade”, uma coisa acabada e de uma existência fechada em si.

Esse olhar objetivo só me permite enxergar no outro aquilo que os manuais de medicina/fisiologia/anatomia me dizem. Assim, eu, enquanto consciência, estou diante de um aglomerado maciço de objetividade. Não há, dessa forma, correlação entre mim e ele.

Este olhar que objetifica aquilo percebido, visando-o numa exterioridade a ele, entra em conflito com a relação que mantenho com o que percebo. Em outras palavras, se olho o outro como algo totalmente alheio a mim e exerço com ele uma relação de amizade ou um diálogo, por exemplo, logo se vê que sua existência é uma espécie de prolongamento da minha.

De acordo com isso, o outro é para mim não um objeto, mas um canal aberto para o qual meu ser se dispõe, e vice-versa. Isto é, mantemos uma relação horizontal na qual a vida de cada um de nós serve de alicerce, de complementaridade e de debate ativo e intencional uma à outra.

Então, o acabamento do outro, em detrimento da visão objetiva, não se sustenta quando mantemos algum tipo de relacionamento. Isso explica aquela sensação corriqueira de quando julgo alguém por ser, aparentemente, mal humorado e me choco quando, ao manter algum contato com ele, percebo que não o é o que eu pensava.

A existência inter-humana me impõe o pensamento de que eu e o outro vivemos num intermundo, num mundo que é o mesmo para mim e para ele e que nos servimos das mesmas coisas existentes aí.

O egocentrismo é a recusa dessa constatação basilar. É esquecer que o outro é a extensão de mim – não extensão no sentido de que ele sou eu, mas a certeza de que exercemos uma participação conjunta e familiar no mundo.

Esta certeza é adquirida quando percebemos que o mundo social ou cultural é “construído” não apenas por mim, mas por todos os que exercem seu pacto com outrem. Um pacto em que a rede humana que o alicerça é a prova de que cada ser é um alongamento do outro, numa intercomunicação intrínseca e necessária.

Portanto, as desigualdades estipuladas por grupos ou por indivíduos são a negação do interser que somos, ou seja, obscurecimento desta teia cujo entrelaçamento é a condição pela qual o mundo humano se movimenta.

Se a teia for cortada cai-se num individualismo fatal, o qual deixará os excluídos numa solidão existencial, incomunicáveis com o outro.