O antropocentrismo na evolução artificial

O MACACO PINTOR | Jean-Baptiste-Simeón
Chardin
Fiquei intrigado ao ler O princípio vida, de Hans Jonas, notadamente o Capítulo 3. Parece que estamos fadados à estagnação evolutiva natural em detrimento da evolução artificial de nós mesmos.

Nessa obra, o autor afirma que a evolução é patológica. Isto é, a patologia é uma “anomalia”: aquilo que sai da normatividade do organismo. Sendo assim, o desvio normativo gera a mutação que modifica o orgânico.

O acúmulo de mutação gera a modificação da espécie, deixando a seleção natural para o ambiente.

Diante dessa constatação, penso que a ciência trabalha na contramão de toda essa mutabilidade natural, na correção de anomalias e na busca por “aperfeiçoamentos”.

O homem se torna o polo referencial da técnica de controle e de evolução. A técnica passa a ser uma antropotécnica, ou seja, conhecimento científico-tecnológico a serviço do homem. 

A evolução natural, controlada agora pela ciência, dá lugar à evolução artificial dos organismos. 

Com isso, a natureza não poderá mais exercer a seleção natural, basicamente, por dois motivos: i) os organismos não acumularão mais anomalias naturais; e ii) ela também será modificada a ponto de se submeter às “vontades científicas”.

Já é possível enxergarmos uma protomodificação da natureza, referente ao ponto “ii”, na biotecnologia dos transgênicos. Esta modifica geneticamente os organismos para se adaptarem a um determinado modo de produção e, consequentemente, de consumo.

O homem, sendo o centro para o qual a ciência lança seus raios, a evolução se tornará cada vez mais artificial, no sentido de ser “programada” pela tecnologia. A adequação humana ao mundo e do mundo ao homem será predeterminada pelo antropotecnicismo.

Ao passo da correção das patologias, o homem se tornará mecanizado. Sua evolução será pautada pelas melhorias conscientes nos processos de “lobotização” de sua estrutura física-maquinal. 

Desse antropocentrismo, talvez possa ocorrer dois fatos: 1) extraviaremos a natureza até as fatais últimas consequências, ou 2) deveremos criar meios de subsistência cada vez mais artificiais ou autossustentáveis.

O ponto final de minha reflexão é: o pensamento ético-filosófico, a cada dia, se faz mais necessário à profusão tecnicista, para poder pensar nos rumos da humanidade.

A ciência e a tecnologia são essenciais para a manutenção e melhoria de nossa expectativa de vida. Contudo, seu extrativismo natural faz com que elas próprias clamem por artifícios que muitas vezes ainda não possuem.

O perigo do antropocentrismo é querer dar ao homem – em detrimento de sua megalomania – mais do que ele próprio e a natureza podem oferecer. A artificialidade, nesse caso, se fará necessária para manter uma vida, também, artificial. Ou esta última – a humana, pelo menos – cessará.

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