Minha sociedade

VELHO HOMEM TRISTE | Van Gogh
Vivo na sociedade do “tempo é dinheiro”, “ontem comi uma, hoje vou comer outra e já estou combinando com a que vou comer amanhã” e “hoje eu vou dar pra fulano. Espero que beltrano não fique sabendo!”. Não é proibido ganhar dinheiro nem namorar. Nada disso. Mas, num mundo em que tudo é efêmero e superficial, a prática dessas “políticas de consumo” distorce a visão do humano sobre si mesmo.

Quando por onde você passa se ouve o tempo todo essas máximas é porque a sociedade pode estar doente. Isso pode ser algum sintoma. E eu as tenho ouvido permanentemente.

Quando as relações humanas e as relações consigo próprio se obcecam em detrimento de lucro exacerbado ou demasia de sexo – para usar apenas dois exemplos – é sinal de que o peso da existência talvez esteja exercendo algum desconforto.

Olhar para si mesmo se torna uma tarefa árdua e vazia, visto que todo o sentido é atribuído àquilo que não ele mesmo. Ou seja: a consciência de si não encontra um significado além do instintivo modo de procurar prazeres externos e líquidos.

Há uma perceptível carência afetiva em tudo isso. Toda forma de poder – seja aquisitivo, seja sexual – é a tentativa de estar sempre acompanhado e desejado, de alguma forma. E, assim, a individualidade dissipa-se em outra coisa que não si mesmo.

Viver sob a tutela dessas práticas consumistas é deixar-se governar pelo outro. Mas o melhor governo é sobre si mesmo. E quando eu passo a viver no frenesi monetário ou sexual paro de fazer este autogoverno e, com isso, esqueço de que também sou responsável pelo outro. É em relação a isso que mencionei o fato de que a consciência de si se perde e se dissipa.

“Se queres avaliar a ti mesmo, põe fora dinheiro, casa, posição, considera-te no mais íntimo e não pelo valor que os outros agora te atribuem.” (Sêneca, Aprendendo a viver).

Comentários

  1. muito bom. o mundo hoje é basicamente isso: um grande supermercado de carne humana e de coisas

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    1. É verdade, Sérgio. As relações humanas se tornaram uma grande "máquina de moer gente". O pior é que nem sentido há.

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  2. Para complementar a citação de Sêneca:

    - As pessoas grandes adoram os números. Quando a gente lhes fala de um novo amigo, elas jamais se informam do essencial. Não perguntam nunca: "Qual é o som da sua voz? Quais os brinquedos que prefere? Será que coleciona borboletas?" Mas perguntam: "Qual é sua idade? Quantos irmãos ele tem? Quanto pesa? Quanto ganha seu pai?" Somente então é que elas julgam conhecê-lo. Se dizemos às pessoas grandes: "Vi uma bela casa de tijolos cor-de-rosa, gerânios na janela, pombas no telhado..." elas não conseguem, de modo nenhum, fazer uma ideia da casa. É preciso dizer-lhes: "Vi uma casa de seiscentos contos". Então elas exclamam: "Que beleza!" (Antoine de Saint-Exupéry, em "O pequeno príncipe, capítulo IV)

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    1. Essas obras traduzem muito bem práticas humanas atemporais. Práticas essas que até parecem ser programadas de geração em geração. Por isso o pensamento filosófico nunca se tornará anacrônico.

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