A teologia invertida no ateísmo materialista

Platão e Aristóteles no detalhe de
ESCOLA DE ATENAS | Raphael
Há uma corrente ateísta – aquela montada nas costas da ciência – que enaltece o conhecimento científico ao ponto de torná-lo o Grande Oráculo empirista.

Esse “método” tem uma consequência óbvia: a substituição de uma explicação cosmológica por outra.

A teologia dá ao homem o conforto usando respostas que ela própria desconhece, isto é, formula hipóteses extra-humanas para perguntas puramente humanas. É o paradoxo de tornar uma falha original (nós) correlativa a um ser absoluto.

Por outro lado há a ciência, que explica certos problemas através de métodos estritamente vinculados à observação empírica da matéria.

O “ateísmo positivista” – ou seja, a pautação da vida intermediada pela materialidade do mundo – é a inversão de um princípio extramundano para princípios mecânicos de explicação da realidade.

Contudo, a ciência só explica a materialização do mundo. E a teologia explica apenas o espírito? Não. Nem o espírito ela explica, uma vez que toda relação humana e mundana, para ela, é uma derivação de um absoluto. Por isso, o derivado ainda permanece, de alguma forma, parte do princípio supremo. Portanto, de acordo com isso, o espírito humano é uma “perversão” do divino e, assim, o homem se explica por algo que não é ele mesmo.

Para um pensamento teológico, o mundo e o humano são explicados a partir do deus provedor. Para o pensamento de um ateísmo positivado, o mundo e o homem são explicados pelo naturalismo originário – ou seja, o ser humano, com seu mundo, se resume a um materialismo inexpressivo, porquanto o dinamismo da matéria é apenas mecânico.

Substituindo uma explicação por outra, esse ateísmo inverte o théos: passa de um princípio soberanamente inteligente e espiritual para um princípio material e hegemônico.

É claro que, para o ateísmo, a recusa do primeiro princípio é primordial. A questão, aqui, não é essa. O que pretendo enfatizar é a inversão de importância dos princípios.

Tratando a existência nessa materialidade negligencia-se o complemento essencial à matéria, no caso humano, que é o fato de criarmos funções que extrapolam o materialmente palpável. A liberdade, a idealização, a empatia, o amor, o ódio, a intencionalidade, são exemplos dessas funções.

A história humana é a junção da materialidade que nos é intrínseca e da transcendência que nos acompanha. Mas não um transcender extra-humano, e, sim, a “face interna” do corpo que somos.

Essa face não é a explicação teológico-espiritual: é o produto da condição que a própria vida, em sua constância efetiva, o proporcionou: é a capacidade de dar luz ao mundo e a nós mesmos.

O fato é que a existência não se explica mais por princípios – nem divino, nem material.

Se fôssemos explicados por princípios, sejam eles quais forem, seríamos os mesmos que estes e os mesmos desde a formação do mundo, tendo em vista a imutabilidade das regras.

Isso fez com que a teologia inventasse o livre-arbítrio, visto que não somos uma realidade inalterável. Por outro lado, o limite da ciência é o limite das “paixões” humanas e de como produzimos história, uma vez que estas não se referem à matéria estritamente.

Diante do exposto aqui, o ateísmo que reivindica a objetividade de nossa existência, em todos os âmbitos, como explicativa para tudo, não faz nada além do que a teologia faz. Apenas inverte os “valores”.

Recusar um princípio ordenador é ultrapassar o discurso maniqueísta ciência-religião. O mundo se explica por si próprio. A ciência é um instrumento antiobscurantista, mas que se não for complementada com um pensamento filosófico engessa suas descobertas. Há um intermediário entre a nossa maleabilidade e a indiferença científico-material.
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Como complemento a este texto, pensando a insuficiência tanto de um pensamento finalista quanto científico, recomendo a leitura destes dois: A nossa contingência e O homem tornado coisa.

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