VELHOS AMIGOS | Dorothy Riley |
Marco Túlio Cícero (106-44 antes da era cristã) foi um pensador latino que, dentre várias reflexões, refletiu sobre o teor e a importância da amizade – em sua obra A Amizade.
A amizade tem um caráter “natural”, de uma simpatia entre duas pessoas que não passa pelo crivo dos interesses práticos. Ou seja: a verdadeira amizade não é um contrato pelo qual os dois envolvidos trocariam favores, prazeres, ou quaisquer finalidades.
Ser amigo é, não importa quanto tempo passe, não deixar que tal simpatia esvazie-se da afeição um pelo outro. Este não esvaziamento não é uma decisão tomada por algum dos amigos, porquanto a natureza da amizade é um vínculo afetivo livre de qualquer comportamento forçoso; é consequência própria de uma relação desinteressada.
Contudo, para Cícero, construir uma verdadeira amizade só é possível entre os virtuosos. Por quê? Porque os virtuosos lançam-se aos seus pares sem a busca de alguma vantagem em mente, uma vez que a afeição, para pessoas assim, tem como raiz apenas um sentimento de amor.
Assim o é nas palavras do filósofo: “Pois aquele que tem mais confiança em si, aquele que está tão bem armado de virtude e de sabedoria que não tem necessidade de ninguém e sabe que traz tudo dentro de si, este sobressai sempre na arte de ganhar amizades e de conservá-las.”
A amizade proveniente da fraqueza, por exemplo, requer do outro alguma espécie de benefício, o que deturpa sua origem alicerçada no sentimento natural de simpatia, de amor.
É claro que precisaríamos, para amarrar esta teoria de Cícero, discorrer sobre os conceitos de “simpatia” e de “amor”. Mas isso não vem ao caso aqui. Minha preocupação é fazer uma pequena síntese do que este pensador latino nos põe para reflexão. Evidentemente, o espaço é curto para falar tudo.
Se a verdadeira amizade fosse produto da fraqueza, quanto mais uma pessoa apresentasse “covardia” mais propensa a ser uma grande amiga seria. No entanto, quanto mais alguém é fraco, mais a amizade – construída à base disso – possui um tom de conveniência, porque sempre esperará algum tipo de benesse. E, assim, a origem dessa amizade se torna uma troca prática, mascarada de um afeto natural. Além disso, o fraco pode sempre trocar uma afeição pelos bens, conforto, poder, prazeres e tudo aquilo que é outra coisa que não amizade.
A reflexão que nos fica, dentre outras, é: a amizade pode até ser considerada uma troca, mas uma permuta no sentido de que o objeto trocado é apenas o “espírito” de cada um dos amigos. Amizade é uma “igualdade natural”, sem colocar em jogo os proveitos que tal relação pode proporcionar. Não há finalidade na amizade senão a abertura original, pura e simples, de um ao outro.
Uma relação de amizade idônea, baseada unicamente na simpatia entre dois ou mais indivíduos, é algo que ninguém de fora poderá se apossar e “deserdar”. Pode tomar todos os seus bens, mas nunca poderá destruir a posse da amizade que carregam no seu íntimo: “qualquer desses bens materiais será de quem souber apoderar-se deles à força, enquanto na amizade cada um conserva um direito de propriedade firme e inalienável”.
Como todas, vale a leitura da obra.
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