Mais estoicismo para uma atualidade confusa

SABEDORIA | Victor Mordasov
A esfera individual é a que mais se contorce nos desarranjos da sociedade. Como não escolhemos em que contexto social nascer e viver, uma vez que já nascemos em um mundo formatado, as intempéries advindas do exterior nos atacam inevitavelmente.

O estoicismo é uma doutrina filosófica que teve sua origem por volta do ano 300 antes da era cristã. Dentre seus aspectos teóricos, o que eu gostaria de ressaltar aqui é o de ataraxia.

Esse conceito significa a serenidade da alma, ou seja, a capacidade de o indivíduo se manter imperturbável frente aos problemas.

Mas como cultivar uma quietude no meio das conturbações que a vida diária nos proporciona? Talvez – e eu não quero aqui ser profeta doutrinador – seja a critério próprio torná-las, de fato, martírios. Contudo, é preciso que reinventemos o que nos aflige para poder contorná-lo.

Assim, como Sêneca, em Aprendendo a viver, afirmou: “os alimentos que absorvemos, enquanto mantêm as suas qualidades e ficam em suspensão em nosso estômago, antes da decomposição, são um peso. No entanto, logo que ocorre a transformação, tornam-se sangue e nos dão força. Façamos o mesmo com o alimento do espírito, não permitindo que aquilo que absorvemos mentalmente continue igual, e sim passe a ser outro.”

Em complemento a essa passagem, Cícero, em Saber envelhecer, nos adverte de que a sabedoria é a força mestra de uma existência “elevada”: “não são nem a força, nem a agilidade física nem a rapidez que autorizam as grandes façanhas; são outras qualidades como a sabedoria, a clarividência e o discernimento.”

Parece que defender o estoicismo é ser conivente com uma passividade plena perante as dificuldades, como se deixássemos nos afetar por tudo o que pode nos acometer. Mas essa não é a ideia. O que a imperturbabilidade da alma defende é a necessidade de encontrarmos saídas para os contratempos que nos deparamos irremediavelmente, sem que deixemos a força dos problemas extenuar a nossa capacidade de resolvê-los.

Os estoicos não eram eremitas, que viviam no meio do nada das florestas. Eram, em grande parte, homens que participavam diretamente do Estado. Exemplos desses filósofos foram os citados aqui: Sêneca e Cícero. O primeiro foi advogado e membro do senado romano, além de ser tutor do imperador Nero; Cícero, por sua vez, foi um exímio orador e senador – também romano.

Mesmo que não possamos falar do estoicismo na esfera macro, da sociedade como um todo, devido às suas complexas engrenagens que não se adéquam a essa visão filosófica, podemos ao menos fazer um protoexercício estoico na nossa individualidade. Talvez, assim, possamos nos aureolar com uma sabedoria de expurgação do que possa nos perturbar.

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