Do mundo. Do espírito

MINHA ALMA, MINHA REFLEXÃO | Leni Kae
É notável que vivo voltado para o mundo que, incessantemente, me aparece. Acredito e vivencio neste mundo aparecido. Muitas vezes tento compreendê-lo, tornando-o objeto para meu pensamento.

Mas o mundo e eu, enquanto pessoa, parece nos distinguirmos quando passo a refletir sobre mim mesmo. Percebo que não faço parte meramente do conjunto físico do mundo, mas sou aquele pelo qual tudo adquire sentidos e significados – embora, também, eu faça parte de toda a objetividade física.

Percebo que em mim há uma dimensão que escapa à mundaneidade e ao olhar do outro. Sou um ser de construções infinitas na calada do meu íntimo. Sou, em adição ao meu corpo visível, um invisível construtor, que olha o mundo à sua maneira.

Sou um espírito (chame-o de mente, psique, pensamento – como queira) que é totalizador da experiência, que não se limita à finitude da ação nem dos objetos: sou um perene criador e um polo para o qual meu mundo circundante (o conjunto de tudo o que me envolta) aparece.

Faço, do mundo que me aparece em ato, uma nova potência.

O aparecimento do mundo para mim parece não ser um aparecimento puro, mas um aparecimento já pré-delineado pela estrutura pessoal e de conhecimento que sou. Quando o mundo me aparece amorfamente, ou seja, sem uma forma concebível, logo me vejo no caos do entendimento. Só quando reorganizo meu ser e me volto para o que me aparece é que consigo compreendê-lo.

Este aparato pessoal/espiritual estrutura toda a capacidade de transcendência que executo constantemente. Em outras palavras, sempre transponho o imediatamente dado para imergi-lo na infinitude das minhas ideias.

O mundo é o mundo de um Eu que o excede para sua idealização. Não vivo voltado exclusivamente para os dados dos sentidos, mas, principalmente, para a compreensão que atribuo a eles. E esta compreensão é o resultado de um interior que não se encontra fora de mim, no mundo, mas numa vida pessoal que se constrói em comunidade.

Antes de conhecer o mundo é preciso conhecer a mim mesmo enquanto particularidade que faz do próprio mundo uma cultura. Todas as visões de mundo que tivemos e temos são frutos de um processo cultural vigente. E não há cultura sem pessoas, sem espíritos. 

O mundo, assim como o espírito, está-aí. Mas o espírito é criador de mundo. O mundo de cada um, portanto, não é o mundo-em-si: é o mundo de um espírito que o sente, o valora, o significa.

Há um mundo bruto, pré-dado, que me sustenta. Mas há um mundo-criatura, que é produto de um espírito criador: o meu mundo pessoal; campo de minhas significações. Cabe-nos voltar para esta capacidade criadora.

O mundo, por fim, é uma imposição ao espírito percipiente, tendo em vista que ele aparece inevitavelmente. Porém, o perceber espiritual é uma camada independente de quem o percebe, cobrindo a evidência física assignificativa com sentidos pessoais.

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