O complemento aos sentidos

CONTEMPLAÇÃO | Thomas Couture

Numa sala, com algo aberto à minha frente, no qual eu via a figura de um círculo predominantemente azul.

Ouvia uma voz referindo-se, ao que parece, à tal figura.

Precisava tocar naquela coisa para poder acompanhar aquela voz que a explicava, virando a folha.

Sentia o cheiro de várias outras coisas viventes ao meu redor, além também do cheiro daquele aglomerado de folhas que tocara.

De tantas coisas que me advinham, da imbricação de tantas perturbações exteriores com percepções interiores, eu chegava a sentir um sabor em minha boca – um gosto de não-saber.

Tudo isso parece caótico ou incompreensível quando não há quem o compreenda. É visto que os sentidos captaram suas sensações, mas estas últimas pairam na ignorância da desordem e, por isso, da incompreensão.

Apenas um Ser que é capaz de dar significado a todos estes dados dos sentidos, que compreende todos os seus signos e os coloca para além da literalidade de seu aparecimento, é um ser dotado da possibilidade de transcendência. 

Esta transcendência é um ultrapassamento da realidade pura - tal qual aparece - para uma totalidade, para uma dimensão metafísica na qual se encontra valores – o bem, o justo, a duração, o amor, o fim, etc.

E tal capacidade transcendente é ainda um desconhecido em nós. A materialidade das pesquisas neurocientíficas não dá conta do “instrumento transcendência” que envolve o fenômeno humano. 

Se se sabe, pela neuroimagem, que os neurônios transmitem informações e que certas áreas cerebrais se ativam com determinadas sensações, ainda falta explicar o fato enigmático que é a minha abertura consciente para determinadas sensações e/ou pensamentos.

Penso em algo determinado porque meu cérebro ativa certa parte sua ou o cérebro ativa certa parte sua porque penso em algo? Se o primeiro caso for correto, a autonomia da psique se esvai, uma vez que sou o que meu cérebro, ditatorialmente, me impõe. Se o segundo caso for correto, é preciso explanar este poder mental – e “anterior” à ativação da matéria encefálica – que sou.

Apenas eu, enquanto dotado de uma capacidade de transcendência, é que consigo agregar todas aquelas impressões do início do texto em uma imagem consciente: eu estava numa sala de aula tendo aula sobre o planeta Terra. Estava rodeado de colegas que exalavam seus cheiros particulares. E sentia um gosto na boca resultante da emoção de me ver como integrante de uma totalidade muito maior que eu.

A autoconsciência, junto com as ideias de Absoluto, Totalidade, (in)finitude, origem (arkhé) e tantas outras, se faz essência de um ser que não é simplesmente produtor de uma matéria amorfa, mas, principalmente, é criador de um mundo imaterial que se realiza na própria ideia de seu sentido.

Sou não meramente o aglomerado de minhas células, mas também aquilo que faço e sinto com elas para além do empiricamente observável.