O HOSPÍCIO | Francisco de Goya |
Em uma sociedade na qual tudo perde seus significados densos e torna-se superficial, o que faz movê-la é apenas o objetivo do momento, completamente efêmero. É como a lenda dos mortos-vivos: os zumbis são atraídos pela possibilidade de carne fresca e sangue daquele que lhes aparece. Assim, analogamente, também o é uma sociedade que só se alimenta das circunstâncias mais epidérmicas – pouco profundas.
É um bloco todo correndo em busca daquele alvo contingente, que a qualquer momento pode não existir mais e a massa voltar às lamúrias de uma existência vazia, faminta.
Falta, à grande massa, tematizar sua vida – tomando essa noção de empréstimo de Husserl, na conferência A crise da humanidade europeia e a Filosofia. “Tematizar” é criar um significado para o qual possa dirigir-se e vivê-lo.
Falta, ainda seguindo o pensamento desse filósofo, uma atitude teórica sobre a sua vida e sobre o mundo. Isso quer dizer que falta a esta sociedade a reflexão sobre aquilo pelo qual cada um e, por conseguinte, a sociedade pautam sua própria historicidade.
Em outras palavras, a sociedade-zumbi anda sobre a destituição de todas as significações que ela poderia criar para alicerçar sua cultura. Não há mais significados sólidos para os quais se viva e conduza sua vida usando-os como referência.
O “inconsciente coletivo” de Jung parece estar construindo o “vazio coletivo” atual.
O estar voltado para as contingências e efemeridades se assemelha à “vida natural” defendida por Husserl, na mesma conferência. Isto é: estar dirigido ao mundo tal como ele é, tal como aparece, sem refleti-lo e sem simbolizá-lo. É praticamente permanecer mundanamente à deriva, caminhando sem rumo e sem perspectiva.
A sociedade-zumbi é uma sociedade morta-viva, que marcha a caminho unicamente do aqui e agora. Vive uma vida que não é precedida por nenhum “tema” consistente sobre o qual possa construir-se solidamente.
A sociedade-zumbi vela, a todo instante, seu próprio espírito – justamente por não possuí-lo mais.
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