TRABALHADORES A CAMINHO DE CASA | Edvard Munch |
O trabalho – ou a técnica – é uma ferramenta de produção de artificialismos para dar àquele que dele faz uso meios de vida que não os possuiria naturalmente.
Artificialismo significa tudo aquilo que o homem, em um estado natural ou em um estágio mais “simplificado”, não precisaria para viver, ou seja, que extrapola a necessidade da vida.
Com isso, numa sociedade capitalista, na qual o lucro, o consumo e a fabricação de artifícios são norteadores do suposto progresso humano, o homem se condiciona por esta narrativa que rege o “novo mundo”.
Hannah Arendt, em A condição humana, defende que o homem é condicionado, justamente, pela técnica que garante uma vida artificial. É o assim chamado homo faber. Este é o homem que se define pela capacidade de fabricar meios para a vida humana e pelos quais passa a se condicionar.
A condição humana, no pensamento de Arendt, não significa nada de abstrato, metafísico. É, tão somente, as práticas humanas que se voltam para o próprio homem e que formatam seu modo de viver de um modo geral.
De acordo com esse pensamento, o homem produz aquilo por meio do qual ele mesmo irá se incorporar, tornando-se, mutuamente, fabricante e usuário de todo o artificialismo produzido. Dessa forma, sua visão de mundo passa a ser contaminada pela narrativa que a produção sedimentou na sociedade.
Tudo que é produzido pelo homo faber – o homem que fabrica – tem o caráter de “coisa”, ou seja, tudo se torna objeto para a manutenção da vida. E esta vida, a partir deste momento, não se vê mais apartada de toda a coisificação produzida pelo trabalho.
O capitalismo, por um lado, é o principal mantenedor desta condição humana pautada no artificialismo da existência humana.
Como afirma Jean-Luc Nancy, em Arquivida, “o capitalismo constitui a exposição a favor da infinita proliferação de fins e de sentidos a que fomos apresentados pela técnica.” Isto é, a prática capitalista é apresentar cada vez mais artifícios os quais passam a ideia de aprimoramento da vida humana.
Para manter a perene prática do consumismo e, por conseguinte, do lucro, a lógica capitalista é expor artifícios sempre inovadores e em larga escala. Isso condiciona o homem, em um movimento constante, a esquecer de sua natureza e viver sob a cortina que encobre a formação de novas razões, em sua grande maioria irrefletidas.
Seguindo o itinerário de Arendt, a reflexão é obscurecida por uma inversão de prioridades no mundo moderno – qual seja: a técnica em detrimento da contemplação. No entanto, só ela, trazida à sua relevância devida, seja a cura contra os danos que a sua falta promove à humanidade.
O valor da reflexão, da vida contemplativa, tem, nesta nova configuração do mundo, um caráter empobrecido, porquanto não serve ao produtivismo. E, quando há alguma reflexão, mesmo profunda, muitas vezes está arraigada na conduta impregnada desta condição.
Portanto, estamos em um enredo condicionante ante o qual é de grande dificuldade nos apartar ou nos ver fora dele, potencialmente ou não.
Um novo condicionamento, mesmo que não radical, mas que se conjugue harmonicamente com a técnica, é necessário para o barramento de uma catástrofe da vida humana.
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