Epicuro para os nossos dias

Epicuro no detalhe de A ESCOLA DE ATENAS | Raphael
Com certeza, você já se impressionou com as mercadorias das vitrines de algumas lojas; já comprou algo que não havia necessidade no momento; já sonhou em adquirir outros para se sentir incluído na sociedade ou em alguma comunidade; sonha em alcançar um poder aquisitivo que contemple todos seus anseios consumistas, etc.

Se você sente ou sentiu todos ou alguns desses sentimentos, claramente você é ou foi um “escravo” dos desejos vãos e absolutamente desnecessários. Você, sem dúvida, não faria parte do ciclo de amigos do filósofo grego Epicuro, que viveu no século IV antes da era cristã.

Todos esses desejos elencados – e muitos outros – são decorrentes da falta de sabedoria a que o ser humano se presta. Talvez nos nossos dias isso esteja infinitamente mais evidente que na época deste pensador.

A publicidade, uma das maiores ferramentas a serviço do capitalismo, hipnotiza o povo a fim de lhe tirar qualquer vontade de refletir contrariamente à sedução dos sentidos por ela empreendida. E a falta de reflexão, necessariamente, cai na falta de sabedoria.

A compra de uma ou várias peças de roupas das melhores marcas, de um automóvel mais moderno possível, de uma mansão, etc., é a aquisição de tudo o que não se precisa para viver. Tudo isso incorre em prazeres supérfluos e que não sustentam qualquer felicidade genuína.

Para Epicuro, há três espécies de prazeres: os naturais e necessários; os naturais e não necessários; e os nem naturais e nem necessários. 

Os naturais e necessários são aqueles sem os quais nossa vida enfrenta uma agonia. Exemplo disso é o prazer de comer – ele tanto é natural como necessário à vida. 

Os naturais mas não necessários são aqueles que são provenientes de nossa natureza, mas sem os quais nós não passamos por um mal maior. Exemplo deste é o sexo – embora sintamos vontade, se não correspondermos não colocaremos em risco nossa vida ou bem-estar físico.

Por fim, os prazeres nem naturais e nem necessários são aqueles totalmente alheios à nossa constituição natural da vida, como por exemplo, comprar um uísque escocês 38 anos.

Uma vida feliz, para Epicuro, seria aquela que fosse guiada apenas para e pelos prazeres naturais e necessários, negando todos os desejos que implicassem em alguma forma de dor imediata ou futura.

Com isso, o consumismo desenfreado, que causa animosidades entre aqueles que disputam espaço por “reconhecimentos” e status social, é a consumação de prazeres totalmente estranhos à nossa necessidade vital.

No entanto, essa filosofia epicurista não significa que voltemos ao nosso estado natural, do homem primitivo. Significa, tão somente, que devemos repensar o que fazemos com certas práticas desnecessárias à existência humana e que busquemos uma felicidade que parta de nós, e, não, que parta daquilo que consumimos ou almejamos.

O consumismo de hoje é uma porta escancarada para a selvageria humana, contornando a reflexão ética e tornando a sociedade um antro de indiferenças – da ênfase do poder de quem pode mais.

Termino com a citação de Epicuro, na Carta a Meneceu: “Não é uma sucessão ininterrupta de banquetes e festas, nem o prazer sexual com rapazes e mulheres, nem a degustação de peixes e iguarias oferecidas por uma mesa suntuosa que proporciona a vida agradável, e sim um cálculo sóbrio que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição e elimine as opiniões vãs por obra das quais um intenso tumulto se apossa das almas.”

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