Uma constatação social de Ortega y Gasset

UMA FACE NA MULTIDÃO | James Hayes
Há um bom tempo eu venho me incomodando com a situação quase que apocalíptica da humanidade. Em outras palavras, percebo, mesmo que de forma superficial, uma falta de sentido coletiva que paira sobre grande parte da sociedade.

Esta falta de sentido eu imaginava dever-se ao cientificismo que pretende tudo dissecar e dar explicações pontuais deslocadas do todo – além de arrogar a única e real verdade. Portanto, faltava àquilo explicado, tomado em sua amplitude, sua real situação no mundo humano.

Ao ler a obra A rebelião das massas, do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, deparei-me com a constatação de que o homem-massa – atrelado aos experimentos científicos, à técnica e à concepção liberalista do indivíduo (a de que todo indivíduo é livre de tudo o que não seja ele mesmo) – é o fomento do vazio de sentido da vida.

Antes de prosseguir, cabe-me expor o conceito de homem-massa. Segundo Ortega y Gasset, este homem é aquele omisso, “delinquente” – é o autêntico “menino mimado”, o qual não se preocupa com o contexto social em que está imerso nem, muito menos, com os problemas filosóficos humanos e sociais.

O que faz este homem possuir tais características? É o fato de as descobertas científicas – ou a técnica, de modo geral – proporcionar-lhe uma sensação de segurança. Esta segurança o faz se sentir protegido contra as adversidades que porventura o acometam.

Outro aspecto que potencializa esta inércia do homem-massa é a postura liberal de que o homem, enquanto indivíduo, é o único responsável por sua vida, evitando algum poder que venha “de fora”. Esta posição liberalista o torna indiferente ao outro e à vida pública, coletiva.

Com isso, o homem sob estes ditames torna-se “mimado”, seguro de si por se confiar nos avanços científicos e com a ideia imputada de que é totalmente livre. Ele torna-se, figurativamente, aquele aristocrata menino de família, o qual pode cometer os mais variados impropérios e não ser punido por ter a seu favor a poderosa “proteção familiar”.

Sua conduta liberal é o álibi contra qualquer pensamento punitivo. Por outro lado, ele encontra nos produtos da ciência tudo aquilo de que ele pode fazer uso, achando, assim, que não precisa do outro.

A afirmação deste filósofo acerca do homem-massa se dá devido à constatação de que a partir do final do século XIX, com o advento dos avanços científicos, houve um novo tipo de homem que se pretendeu pôr-se à frente da existência europeia: o homem de ciência.

Embora seja “de ciência”, este homem não deixa de ser homem-massa. Isso porque, como antes afirmado, ele se sente seguro – cercado pelas pesquisas técnicas – e, ademais, não atenta para uma existência espiritual da sociedade.

No entanto, Ortega y Gasset não “criminaliza” a ciência propriamente. Sua ressalva é quanto ao sentido perdido dela para a vida humana.

A reflexão básica que fica para nós, depois de ler o tratado em questão, é que, realmente, a fim de evitar uma ampla e pior falta de sentido existencial, precisamos nos voltar para os problemas humanos. Precisamos pensar como e para quê devemos usar a ciência. 

Precisamos, acima de tudo, pensar a vida: suas finalidades, o modo de agir humano com o mundo e com o outro, e que legado vamos deixar para futuras gerações. Precisamos sair do individualismo, que só pensa em si, e passar a respeitar a existência de outrem – presentes e futuros.

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