SOLIDÃO | Rudolf Brink |
Sendo o intocado impassível de reflexão, tudo o que emana dele logo é irrefletido. Sendo irrefletido tudo o que o intocado provoca, em última instância cairemos numa crise ético-moral inevitável. Já sentimos esta crise na nossa própria casa ou rua. Não precisamos ir muito longe.
Esquecer-se de si próprio é a garantia – imaginária – de que o problema do mundo ou são os outros ou é o próprio mundo do qual se fala.
Quando se pensa o outro como raiz do mal não se costuma atribuí-lo seu caráter de movimento, que se encontra com o mundo numa ambivalência. Ambivalência tal que tanto o mundo muda aquele que o desbrava como o mundo é mudado pelo sentido sempre movente que o homem lhe concede.
Neste movimento ambíguo, faz-se necessário pensar tanto o mundo que nos afeta como o significado que o atribuímos. A ambiguidade se mostra no inacabamento humano, porquanto possuímos visões de mundo diferentes ao passo que este nos mostra uma face escondida até então.
O intocado não refletindo a si próprio corre o risco de sucumbir-se no vazio coletivo, o qual é desprovido de qualquer reflexão ética.
Também corre o risco de transformar qualquer área de conhecimento na absolutidade que não possui, justamente por não entender que todo conhecer não prescinde da relação originária do cognoscente com seu mundo.
O intocado sente-se seguro por desconhecer ou subestimar toda a negação que ampara suas afirmativas. Em outras palavras, para que toda afirmação seja possível, ou qualquer conhecimento, é necessária uma dimensão que se encobre, ou seja, a negação ou o anverso do exposto.
Sendo assim, o sujeito que não reflete sobre si mesmo nega o fosso que existe entre o que ele supõe conhecer e o desconhecido. Não percebe que neste “fosso” reside a conjuntura das relações humanas, da cultura, dos valores e todos os instrumentos que o levaram a comungar de uma ciência.
Nega também o Outro como intercâmbio, negando a si próprio como um nó de relações. Esta desatenção resulta, pelo menos, no esvanecimento da humanidade e na convivência cada vez mais nefasta.
A segurança do intocado só serve a ele mesmo enquanto sustenta seu egoísmo. Quando afrontado, vê-se o solo sob seus pés transmutar-se em areia movediça que tenta engoli-lo até encontrar um fundamento que o apoie.
Ao não querer ser engolido, o intocado decide manter-se surdo e cego – mas nunca mudo, para poder proferir seus anseios mais banais e prazerosos aos ouvidos daqueles que se inclinam ao mesmo sentimento.
Por fim, de segurança banal em segurança banal, estamos imersos numa crise moral que, a cada dia que passa, o encontro de uma luz que possa iluminá-la parece mais distante.
Portanto, o conhecimento distante, arrogando todo o poder sobre o objeto, mantém quem conhece na comodidade de sua posição. É preciso apreender o homem não como objeto a ser olhado “de fora”, mas de uma forma que evidencie sua forma impetuosa de transcendência – de conceber possibilidades. Para tanto, refundar uma ética para nosso tempo é primordial. “Como” é o núcleo da questão.
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