Autoconsciência e evolução humana

EVOLUÇÃO | Jacob Brest
O arqueólogo, paleontólogo e historiador da ciência Caroll Lane Fenton, no seu livreto A origem do homem, fez uma afirmação curiosa: “tendo se transformado em homem, seu curso evolucionista chegou ao fim, ou pelo menos a uma restrição, e não é provável que a linhagem humana produza jamais outra coisa a não ser o homem.”.

Esta declaração parece trazer consigo alguns pressupostos implícitos. O que eu pretendo focalizar aqui, de maneira muito modesta e rápida, é a questão da autocompreensão. O homem superou o mero instinto de sobrevivência.

Afirmando que o homem, no que diz respeito à evolução, não produzirá nada além de si próprio – isto é, mesmo “evoluindo” ainda permanecerá homem –, é afirmar, de alguma forma, que se entender homem é a condição pela qual não nos distanciamos mais de nós mesmos. Embora o autor não tenha afirmado isso, podemos inferi-lo.

Dizer que o homem não sucumbirá mais diante de outros seres, sendo dono do planeta e dominando os outros seres vivos, por meio de sua alta capacidade intelectual, como defende o próprio Fenton, é alegar indiretamente que o homem tem um grande senso de quem é e do que pode.

É justamente por possuir essa grande capacidade intelectual que o homem se transmutará em uma espécie totalmente nova. A seleção natural dará espaço para a “evolução artificial”.

Sendo o homem autoconsciente, consciente de sua finitude, de seu inacabamento, da possibilidade de se aperfeiçoar, etc., ele produzirá um mundo pelo qual ele mesmo o usufrua em prol de sua vida. 

É por meio, também, dessa capacidade de pensar-se que o humano desembocará num estágio que nós ainda não o compreendemos bem. É por preocupar-se com sua própria existência e modo de viver que ele irá se tornar diferente do que é atualmente.

Muito provavelmente, devido à sua época, falecido em 1969, Fenton não vislumbrou o transumanismo (abreviado: H+ ou h+) que hoje começa a despontar, promovido pela biotecnologia e inteligência artificial. Fato tal que, se levado a cabo, mudará radicalmente a visão sobre o fenômeno humano de um ponto de vista evolutivo-biológico natural.

Daqui a alguns milênios, o homem de hoje, totalmente modificado, transumano, não se conceberá mais como um mero Homo sapiens sapiens (um homem sapiente de que sabe). Ele estará em um nível adiante, ou, simplesmente, diferente. Com isso, ainda deverá se chamar meramente sapiens? Ou seja, ele permanecerá homem tal qual concebemos hoje?

De acordo com a asseveração primeira de Fenton, parece que a nossa evolução tem caráter finalista, ou seja, parece que caminhou para um fim específico: nós, homens.

Se a autoconsciência é essência humana, num futuro distante, o transumano deve mostrar por que, mesmo sendo autoconsciente, não o é mais puramente sapiens sapiens.

A autoconsciência só faz parte, enquanto característica fundamental, do homem que conhecemos hoje; nem para um ser atrás dele, nem para um posterior.

No final do seu livreto, Fenton parece justificar sua assertiva inicial defendendo que o homem permanecerá homem em virtude de que não há nenhum conjunto de outras espécies que seja capaz de pôr fim à sua existência. Assim, sua evolução está diretamente ligada às suas atividades.

Vendo por essa ótica, ele parece ter razão. Contudo, o autor afirma que a evolução do homem saiu do físico para o social. Mas, hoje, não podemos reduzir toda a existência humana ao social e excluir as transformações científicas face ao desenvolvimento humano, as quais visam a uma melhora cada vez mais ousada da existência biológica do homem.

A inteligência artificial, atrelada à bio e à nanotecnologia, promete revolucionar o mundo humano em sua radicalidade. O sapiens sapiens de agora talvez se transforme, a longo prazo, em apenas uma espécie “ultrapassada”, tal como o é para nós o Homo habilis.

Outra conclusão disso tudo é que nenhuma concepção de si próprio dá para ser coerentemente tirada de algo que extrapole a forma de ser concreta, vivida.

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