O TRANSPORTADOR DE BARCO | Honoré Daumier |
Quando Sartre, em O existencialismo é um humanismo, afirma que o homem está condenado a ser livre, tal proposição só é o caso em partes.
É notório que eu, enquanto um ser volitivo, que tem vontades, posso fazer qualquer escolha. Contudo, essas escolhas só estão postas a mim no horizonte das possibilidades.
Segundo Sartre, até quando eu decido não escolher já estou executando uma escolha e, dessa forma, sendo livre. Por isso, também, a condenação sartreana do homem à liberdade.
Entretanto, quando eu decido não escolher, por exemplo, tal decisão parte de um outro pano de fundo, ao qual minha existência e minha conduta estão condicionadas.
Entretanto, quando eu decido não escolher, por exemplo, tal decisão parte de um outro pano de fundo, ao qual minha existência e minha conduta estão condicionadas.
Para ilustrar o que acabei de afirmar, se decido me omitir quanto aos assuntos políticos, essa omissão tem como motor algum outro aspecto, tal como: temor de fazer uma má análise, ser ridicularizado ou menosprezado, dentre outros motivos.
Para retomar o exposto no início do texto, ou seja, que a liberdade irrestrita é a negação do sentido da vida, é perceptível que só agimos se houver alguma “fonte” que vislumbre tal ação. Assim, a liberdade é apenas um meio, mas nunca um fim.
Até quando se luta por liberdade, a liberdade não é o fim último desta luta, mas o que o fato de ser livre acarreta para a vida daqueles que a reivindicam. Por exemplo, a abolição da escravatura, que foi uma luta pela liberdade dos escravos negros, não visava simplesmente ao negro livre, estritamente falando; mas, em última instância, o que essa liberdade significava para a sua dignidade humana.
Com isso, o escravo adquirindo dignidade, passava a ter outras responsabilidades que cerceavam a prática de ações incondicionais, isto é, ele passava – pelo menos em teoria – a fazer parte da comunidade e, assim, com limites, os quais garantiam a convivência harmoniosa.
Ser livre incondicional só é possível ao louco completo, porquanto este não age submerso ou referido a um fim específico – como no caso de manter pacífica a sociedade na qual vive –, mas age a partir do caos de suas faculdades e de seu mundo vivido.
Expostas essas considerações, a liberdade absoluta é a inexistência de um sentido da vida humana, sentido tal que sempre nos portamos em relação a ele se quisermos viver em sociedade, em comunidade, em família, entre amigos.
Há uma resistência do exterior que nunca é eliminada, ou seja, os objetos e as finalidades aos quais o homem se apega são os norteadores, em grande medida, das práticas humanas.
Nascemos num mundo constituído, mas que nunca está completamente determinado. Somos, ao mesmo tempo, solicitados no mundo já previamente dado e também somos flexíveis às infindáveis possibilidades neste mesmo mundo.
Com isso, como defende Merleau-Ponty, em Fenomenologia da percepção, “nunca há determinismo e nunca há escolha absoluta, nunca sou coisa e nunca sou consciência nua.”.
Sem um fim não há sentido existencial possível. A liberdade é o meio pelo qual se chega ao fim proposto: todavia, uma liberdade dentro dos limites deste próprio fim.
Portanto, a liberdade absoluta é autocontraditória, uma vez que ela possibilitaria, ao seu promotor, ações que contradiriam as anteriores, e, feito isso, se instauraria um contexto caótico em que o autor se autodestruiria.
Em suma, o homem age sempre amparado por uma finalidade que regula os limites de sua liberdade. Finalidade e liberdade absoluta são excludentes: nunca são possíveis ao mesmo tempo. Só há, então, liberdade relativa: relativa àquilo a que se prende.
Por fim, ainda me remetendo a Merleau-Ponty, em sua Fenomenologia, dando o exemplo de um prisioneiro torturado a fim de arrancarem-lhe informações, a decisão de não falar não se baseia numa decisão da consciência pura, de uma consciência absolutamente livre, mas por ainda se sentir com seus camaradas. De acordo com o autor, “esse motivo não anula a liberdade, mas pelo menos faz com que ela não esteja sem escoras no ser.”. Ou seja, ser livre é estar aderido a um pano de fundo anterior à liberdade.
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