A VIRGEM E O MENINO COM SANT'ANA | Leonardo da Vinci |
O mal, a indiferença, a hostilidade e tantas outras características de redução da unidade de uma comunidade, de uma sociedade ou de um povo são fenômenos que destroem o fim último e comum humano: a felicidade.
Estando eu circunscrito pela maldade, a necessidade de consolação própria é recorrente. Mas, como ficam os outros, que, porventura, não conseguem tal estado de espírito? Ou eu me torno uma “ilha”, consolando-me a mim mesmo, ou desenvolvo um mecanismo de cuidado com o outro.
Como no filme A vida é bela, de Roberto Benigni, precisamos olhar com atenção o papel daquele pai, que, ao estar em um campo de concentração com seu filho, preocupa-se em criar uma situação para que a criança não perceba a cruel realidade do local. Isso é cuidar.
Cuidar não é mascarar a realidade, tal qual o filme, mas um sentido de relação com o outro; uma consciência efetiva de “intercâmbio” entre eu e aquele que me está ao alcance.
Em um mundo individualista, o cuidar é ferramenta em extinção. O mundo próprio é o que desperta todas as energias daquele que o vive.
O esquecimento de um mundo em que vive eu e o outro é a ponta de lança de um mundo que volta a ser selvagem, mesmo em meio a incomensuráveis avanços científicos e tecnológicos.
Penso que se faz necessário ter em mente, como um princípio ético, o que Heidegger afirmou, em Interpretações fenomenológicas sobre Aristóteles: “o mundo partilhado se encontra em meu mundo próprio, na medida em que eu vivo com outras pessoas, estou de algum modo relacionado com elas no cuidado, e eu próprio me encontro em seu mundo de cuidado.”.
Não há mundo próprio sem que haja um mundo do outro e, entre os dois, um mundo partilhado. Assim, o cuidado deveria ser a manutenção desta relação intrínseca entre os homens.
A miséria humana tem um de seus braços alcançando a superelevação do mundo próprio por aqueles que se empenham nas suas riquezas, no seu status social, etc. Esquecem-se que também são responsáveis, de alguma maneira, pela vida do que está do lado de fora do seu mundo reduzido.
A miséria humana não é apenas pobreza material, mas, sobretudo, a pobreza de espírito que faz com que as mazelas se espalhem na própria sociedade que sustenta seu autor.
Quanto mais uma sociedade perde seus valores mais basilares e universais – se é que os teve em algum momento –, tanto mais tende a perecer nas suas próprias maldades. Porque, em grande parte, parafraseando Agostinho, a maldade é a ausência de princípios éticos universais que norteiem o agir.
Sem o mínimo de valores fundamentais, o homem torna-se miserável de si próprio.
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