Apatia

BANCO SOLITÁRIO | Leonid Afremov
Há muito tempo eu afirmei, ingenuamente, devido a frustrações afetivas, que preferia nada sentir, ser livre de sentimentos – dentre os quais, os principais: paixão, amor e ódio. No entanto, eu não sabia que essa frieza não significa impassibilidade, mas, tão somente, a hegemonia do tédio e do desespero.

Ninguém ama ou odeia se não houver algo ou alguém a quem dispor tais sentimentos: esses são relações. E, como tais, necessitam de uma bilateralidade que as fundamente, ou seja, para o amante amar é preciso que o amado se disponha como “fenômeno” referido.

Acontece o mesmo entre aquele que odeia e o odiado.

De acordo com o que Merleau-Ponty defendeu, em Conversas, a relação que mantemos com as coisas ou com o outro só se compreende no debate entre nós, na afecção de um no outro. Assim, a paixão, o amor, a ira, e demais outros sentimentos, são resultantes desse embate.

A frieza em relação a estas emoções significa que a capacidade de debate/embate com o que está além-de-mim foi erradicada. 

Levando a cabo essa erradicação, torno-me um ser fechado em mim mesmo, com abertura e disposição fragilizadas em decorrência dessa reclusão. Torno-me uma aridez tal qual das coisas inanimadas, com o paradoxo de não as ser. 

Esse paradoxo é o que leva ao desespero e ao tédio. Ao mesmo tempo em que a minha empatia com os fenômenos se esvanece, tornando-me fechado em mim, ainda assim necessito de afeto para me relacionar com o que me circunda, sem o qual (o afeto) me torno radicalmente ocioso.

E o fato de nada sentir e me ver enredado por um tédio radical provoca a sensação de nada esperar. É um voltar-se permanente sobre mim mesmo, nada encontrando fora que me afete e que me impulsione a viver.

Estando voltado para mim mesmo, nada encontro que justifique qualquer ânimo de vida. É a completa falta de sentido.

Se eu afirmo que tanto o amor como o ódio se aplicam “a uma gama inteira de objetos no interior de um domínio de valores”, para falar como Max Scheler, em A natureza da simpatia, corroborando para o que defendeu Merleau-Ponty, em última instância eu afirmo que a frieza é a incapacidade de valorar.

Sem valorar, o fosso que se abre entre mim e as coisas, ou entre mim e o outro, torna-se intransponível. O valor é o elo mais primordial que me liga àquilo que viso. Não exatamente o que o visado significa para mim, simplesmente, mas o que ele representa no campo existencial que nos alicerça.

Em suma, se fosse possível não amar e nem odiar, apenas para citar essas, a solidão seria o calabouço último daquele que tem a frieza como amiga leal. Porque uma coisa é almejar ser frio em relação àquilo que não eu mesmo, mas, como me libertar do íntimo peso de mim?

Comentários