Quando a liberdade se transforma em fim


PESSOAS AO SOL | Edward Hopper
Quando escrevi A impossibilidade da liberdade absoluta, logo me veio à mente a necessidade de escrever uma nova reflexão.

Afirmado, nesse texto em questão, que a liberdade é sempre um meio e nunca um fim, percebemos que parte dos problemas que vivemos hoje, na dita sociedade pós-moderna, na qual tudo é superficial e efêmero, é que os que buscam liberdade tratam-na como um fim.

Quando buscam desesperadamente a tão desejada vida livre e a encontram, pelo menos aparentemente, esquecem-se de que ela é ponte para outros fins que não ela mesma.

Esquecida desse detalhe basilar, a sociedade superficial vive jogada de um lado ao outro, nos retalhos produzidos em série por aqueles que nem sabem para quê viver. 

Sem itinerário decidido, justamente por estar deslumbrado com a aquisição da sonhada liberdade enquanto um fim em si mesmo, o povo reivindica direitos em demasia e nenhum dever. Isso por crer que nada externo a si próprio o regule. No entanto, é impossível sermos totalmente livres sem que algo de fora condicione essa liberdade, que é sempre relativa.

Corroborando com o aqui defendido, Ortega y Gasset, em A rebelião das massas, se referindo à massa inconsequente que vemos hoje, afirma: “Nada de fora a incita a reconhecer nela própria limites e, portanto, a contar em todo momento a outras instâncias [...]. Mas o homem que analisamos habitua-se a não apelar de si mesmo a nenhuma instância fora dele. Está satisfeito tal como é.”.

O sentir-se soberano de sua própria vida faz com que o homem, que é ingenuamente consciente de sua suposta total liberdade, abdique dos deveres para com o outro e para com a sociedade. Não há, nele, qualquer resquício de comprometimento maior além dele mesmo.

O egocentrismo e o egoísmo são os instrumentos com os quais o “homem ingênuo” se deleita na sua mais completa falta de sentido. Ele se torna seu próprio fim. Contudo, não reconhece que, se tornando um fim de si mesmo, ele se torna um solitário submisso ao que o espetáculo do mundo o proporciona.

As diversas crises – dentro das quais a ética, a política e a existencial – são efeitos de um desapego e anulação de possíveis sentido e compromisso sólidos. 

A superabundância de possibilidades que esse “pós-modernismo” ocasiona se realiza na superficialidade espetaculosa das paixões humanas. Nesse movimento quase lúdico de escolhas infindáveis, nada de realmente profundo e comprometido com a vida é vivido e levado a sério.

O excesso de possibilidade de escolha faz parte do produto de um sentimento de que a liberdade é o fim último da humanidade, quando ela é apenas instrumento de realização da dignidade.

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