BOÉCIO DANDO ADEUS À SUA FAMÍLIA | Jean-Victor Schnetz |
Seja o sofrimento físico do outro, seja um ato de injustiça, seja uma paixão não correspondida, seja a incapacidade de lidar com sentimentos diversos e tantos outros motivos, o fato é que somos passíveis de padecimentos emocionais desestabilizantes.
Se pararmos na noção – a qual é verdadeira – de que somos bombardeados pelos afetos que o mundo à nossa volta nos proporciona, perdemos a autonomia de nossa razão ou subjetividade.
É correto afirmar que somos radicalmente seres no mundo que não nos dissociamos, relacionalmente, das coisas que compõem esse mesmo mundo. Contudo, para que não nos percamos no caos das sensações e sentimentos, é preciso elaborarmos “mecanismos de conduta”.
A filosofia, desde seus primórdios, em especial desde Platão e Aristóteles, buscou fundar a forma mais viável de se viver. A Justiça, o Bem, a Felicidade foram temas que incumbiram grandes esforços destes e outros pensadores.
Penso que as virtudes são a propedêutica da ética. Isto é, elas preparam o indivíduo para uma prática moral, instituindo como parâmetro aquilo que for trabalhado filosoficamente como virtuoso.
Se eu afirmei, no texto Considerações primárias acerca da moral, que a bondade é o resultado de ações que a promovam, é preciso, no entanto, que haja um conceito anterior do Bom. É nisto em que consiste a filosofia das virtudes: elaborar formas de viver que norteiem o agente moral.
Mas não quero falar, aqui, do conceito de Bom – nem de nenhum outro, em específico. O que pretendo é introduzir um pensador medieval: Boécio (480-525).
Um de seus escritos mais eminentes é o De philosophiae consolatione [A consolação da filosofia]. Tendo-o escrito na prisão, entre os suplícios que faziam parte de sua condenação à morte, Boécio precisava desenvolver uma consolação para evitar a loucura e o desespero frente ao sofrimento brutal pelo qual passara.
É aqui onde as virtudes têm um papel decisivo na constituição de, pelo menos, duas formas importantes e primordiais: i) tornar o indivíduo virtuoso regido de constância, justiça e serenidade e ii) munido das virtudes, o indivíduo estendê-las, por consequência, a outrem, por meio de suas ações.
Mas é ao primeiro aspecto que Boécio e toda a filosofia que trata do homem virtuoso se debruçam com mais afinco.
A consolação da filosofia é um diálogo fictício entre o autor e a personagem da Filosofia. O espírito perturbado daquele que se encontra na prisão, entre sessões de tortura, procura suportar o destino que lhe foi imputado. Para isso, a Filosofia o dissuade de seu desespero e o persuade de que a serenidade e a sabedoria são características sublimes e, portanto, maiores que qualquer sentimento que o diminua.
Para que seja possível qualquer sublimação – elevação do espírito – é preciso saber o que somos, qual o nosso propósito enquanto humanos, como é afirmado no Livro I da obra aqui em questão. Para tanto, é preciso fazermos uma profunda reflexão filosófica constante.
O meu intuito é, a cada Livro da obra, construir uma pequena resenha, uma vez que cada capítulo aborda um tema específico. Possuindo, a obra, cinco livros – mas o primeiro sendo apenas uma espécie de introdução contextual do autor –, apresentarei somente quatro textos temáticos: sobre a Fortuna (a sorte, o acaso, os acidentes), sobre o Bem supremo (a Felicidade), sobre o Mal e sobre a Providência.
Friso que as virtudes são necessárias, de antemão, para a construção da ética. Uma ética sem virtudes é apenas código de conduta puramente prático e vazio de reflexão – tais quais aqueles de empresas.
O “conhece-te a ti mesmo” socrático ainda é um imperativo para a reflexão sobre a virtuosidade. É só conhecendo profundamente o homem que se elaboram fundamentos que alicerçam o modo de vida, plausível para si e, por conseguinte, para o outro.
Isso exposto, os próximos textos sobre Boécio versarão sobre os temas especificados anteriormente.
excelente pela clareza!
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