A crise da filosofia: um recorte

A ESCOLA DE FILOSOFIA DE NANTUCKET |
Eastman Johnson
Só um ignorante ou ingênuo profere a sentença “a filosofia é inútil”. Para fundamentar esta afirmação, ele ou precisará definir os termos que compõem a assertiva e/ou expor o porquê de a filosofia não atender aos requisitos da vida humana ou das ciências.

Num caso e noutro, aquele que faz tal declaração precisará recorrer à filosofia. Assim, sua afirmação é destituída de sentido e contraditória.

A filosofia não é produto de uma “formação técnica” de quem se propõe a exercê-la. Ou seja, a filosofia não é uma técnica experimental tal qual a engenharia, a medicina ou as demais ciências naturais.

Talvez os adeptos da postura que menospreza a filosofia tratam-na em analogia com as ciências empíricas. Assim, ao constatarem que não partilham dos mesmos métodos, logo a excluem do arcabouço científico.

Mas a filosofia não é e não deve ser uma ciência pretensamente empírica. Aquela antecipa toda e qualquer experiência sensível que tem por objetivo ser uma tradução do mundo. Dito de outra forma, a filosofia acompanha, basilarmente, todo processo científico de exploração do mundo e do homem.

A filosofia é o próprio pensar, o querer conhecer, o querer saber. O que é a ciência senão uma extensão deste ímpeto naturalmente humano?

Nenhuma ciência é anterior ao pensar e ao interrogar. Seus métodos são formas de exploração, mas jamais o são adquiridos sem que haja, a princípio, uma forte inquirição sobre aquilo a que ela – a ciência – se dispõe.

A ciência, por seus métodos e seus anseios, busca compreender quem somos e onde estamos, amenizar os sofrimentos humanos, os obstáculos para uma vida mais viável e, o mais importante, busca a construção de um bem comum. 

Como buscar o entendimento de quem somos e o que é este mundo que nos sustenta senão tendo como base uma profunda inquietação filosófica? Como conceber o que é e como deve ser este bem comum senão por meio de um questionar que não é científico? Não se chega a estas conclusões experimentando-as em laboratório. É o filosofar que nos leva a elas.

Estando nós vivendo num mundo que não é mais concebível apartado das ciências, a filosofia deve ter seu papel desempenhado, também, sobre as ações científicas. Se ela é, inevitavelmente, o que possibilita a ciência, agora deve ser o que pensa sobre os “produtos” científicos.

Hoje, a filosofia sem ciência se torna vazia, uma vez que somos indissociáveis do proceder científico; e a ciência sem filosofia torna-se embrutecida.

Fazer ciência é intrometer-se em questões prioritariamente humanas. Explico: não se faz ciência sem que haja, no cientista, um querer entender-se ou um querer entender o que o envolta. Assim, seu conhecimento e seus resultados implicam numa mudança na vida de todos.

Os paradigmas científicos são formas de enxergar o mundo e o próprio homem. Dessa forma, não apenas o cientista é moldado por sua ciência, mas todos os homens, tendo em vista que seus “resultados” são estendidos à sociedade em geral.

Assim sendo, ou seja, se o fazer ciência alcança toda a existência humana em decorrência de seus efeitos, é de capital importância um pensamento ético que o acompanhe ou o assessore. E nenhuma ética é constituída cientificamente, mesmo depois das tentativas do Positivismo Lógico, do Círculo de Viena.

Com isso, a filosofia é o que possibilita a ciência, o que pensa sobre os resultados desta e o que pensa sobre a relação humana com os produtos científicos. Vê-se, assim, que a filosofia não comporta apenas um aspecto da existência – a inquirição –, mas formas complexas de relações humanas.

Não há vida em sociedade possível se, antes da construção de todas as suas técnicas acessórias (Direito, ciências, etc.), não houver um pensamento que possibilite a melhor forma desta construção. E como se faz isso? Por meio do pensamento.

Mas se há espaço para que asserções como esta, de que a filosofia está morta, sejam proferidas é porque a filosofia se distanciou demasiadamente de todos. Isso se deve, em partes – e por isso o “recorte” do título deste texto –, ao enclausuramento academicista dos ditos filósofos.

A filosofia tem se tornado um especialismo, quase técnico, fechado nas Academias. Os escritos produzidos, em sua esmagadora maioria, só servem à manutenção da clausura acadêmica do saber. O debate filosófico dos problemas que afligem o homem, proporcionados pelas ciências ou não, não tem cadeira cativa na (e para a) sociedade.

O comentarismo, o falar da filosofia de outros filósofos, é prática corriqueira da comunidade filosófica, sobretudo no cerne acadêmico. Poucos (ou nenhum) são aqueles que se comprometem em levar o pensamento filosófico original aos inúmeros problemas que enfrentamos.

Os acadêmicos se tornaram apenas “comerciantes” de títulos: escrevem artigos irrelevantes para a sociedade em troca de certificados.

A filosofia sofre ataques por sua própria culpa. Seu distanciamento da sociedade ofuscou sua importância fundamental, mesmo estando presente irremediavelmente. Ela se tornou produto do “inconsciente coletivo” (deturpando, aqui, o conceito junguiano): quase ninguém dela nada sabe, mesmo acompanhando-a sempre.

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