Da Política

MÃOS JUNTAS | June Pauline Zent
Há um evento geral no qual estão contidos ou fazem parte eventos particulares “menores”. 

O primeiro é a Política em sua forma universal – do grego Politiké, o cuidar da cidade, almejando um bem comum para esta, a qual é uma espécie de associação entre cidadãos. 

Os segundos são os eventos políticos que se distinguem daquele por suas particularidades circunstanciais, tais como: partidos políticos, eleições, ideologias, estratégias governamentais, etc.

A Política, enquanto Politiké, a ciência mais importante e mais arquitetônica no alcance do bem comum de uma sociedade, como queria Aristóteles, é objeto da filosofia. Os eventos citados que a sucedem são objetos da ciência política, da sociologia, da antropologia ou de outras ciências ou áreas que os normatizem ou os elucidem.

Não quero falar de teoria política nem resumir o pensamento filosófico sobre o tema, perpassado pela História da Filosofia. Pretendo apenas esboçar que a necessidade de uma Politiké é fundamental para darmos contornos à administração pública da qual somos dependentes.

Mais do que sermos dependentes de uma administração, devemos, nós e ela, sermos interdependentes, ou seja: haver uma participatividade efetiva, ambivalente, de exercício da cidadania (exercício de um indivíduo que está imerso numa cidade, e, por isso, tem direitos e deveres para com sua “associação”).

Para que exerçamos nosso direito de participação, direta ou indireta, é preciso que estejamos conscientes daquilo que é anterior às circunstâncias para a qual nos dispomos, a saber: a Política em sua forma originária, universal.

Não há pensamento político possível ou viável sem o pensar o bem comum, do qual todos possam comungar, uma vez que essa é a tarefa da Política.

Mas, como pensar um bem comum se o homem de hoje ou está arraigado em ideologias ou passa a largo de qualquer reflexão mais profunda sobre si e sobre o outro? 

Como fazer política – aqui, política na sua forma particular – para quem não sabe o que busca?

Ainda: como fazer política para quem se abraça com a inflexibilidade de ideias fixas e ortodoxas que visam apenas ao beneficiamento de alguns grupos políticos ou sociais?

Nos dois primeiros casos, podemos cair em um totalitarismo ou em um autoritarismo por não compreendermos quem somos, como somos e nem conhecermos os fins que deveríamos buscá-los.

No último caso, ou tendemos à instabilidade perpétua, de confrontos entre ideais, ou, do ponto de vista da população, haverá sempre autoritarismo – imputação forçada de ideias.

Sem reflexão, sem uma cultura sedimentada, sem bases sobre as quais se apoiar, a Política perde seu caráter fundamental e a prática política passa a ser um dispositivo de mero controle dos que a detêm.

Sem reflexão, a Politiké, sendo necessariamente produto do pensar, torna-se impossível. Sem uma cultura consolidada, não nos compreendemos. Assim, sem saber quem somos, não sabemos o que buscamos. Na falta desta base, velejamos à direção aleatória dos ventos.

Hoje, sobretudo, vemos uma sociedade que propaga um superficialismo nocivo, sem base, irrefletido. Não se pode dizer que é uma sociedade indiferente politicamente, mas que não reflete seriamente sobre suas reivindicações.

Muitas de suas atitudes militantes são produtos de ódio e de intolerância à divergência.

Uma sociedade sem identidade cultural está fadada à “clandestinidade”. Não possui valores (axios) superiores os quais norteiem suas ações. Porque só há valor quando este se funda em sólida compreensão do homem.

Uma parte da sociedade que se esqueceu de si própria, que vive a dar vazão apenas às suas sensações mais superficiais, desistiu de procurar a verdade.

A outra parte, munida da ortodoxia de suas ideologias, anula o outro e tudo o que destoar de suas convicções. Este grupo baseia-se num maniqueísmo no qual seu lado é o bem; o outro, o mal. Este dualismo apenas fomenta a intransigência e a selvageria da sobreposição de um grupo a outro.

Sobre aquela parte da sociedade esquecida de si mesma, a Política é apenas uma asneira. Apoia, indireta e inconscientemente, a prática política como mero jogo de poder. Assim, é jogada no vazio que sua própria irreflexão a impõe, sem ver a Política como mantenedora do Bem geral – quando este é bem pensado e delineado.

A parte dos “ideologistas” alimenta o ódio e fecha em si qualquer possibilidade de abertura ao diferente e à investigação mais apurada da verdade. É uma animalidade em estágio germinal. É um estopim a ser aceso, para o qual o combustível é a ira.

Em ambos os casos a Politiké é sucumbida e a falta de sentido mantida generalizada. A prática política se torna, por um lado, apenas poder, e, por outro, um dispositivo que aciona o confronto, o entrave, a maledicência, a violência – simbólica e concreta.

Sendo a Politiké antecedente – mas não separada – à prática política, ela não deve ser pensada apenas pela “elite aristocrata” do poder, mas pensada por todos, porquanto o fazer política é destinado ao público geral.

Mas, como pensar os valores se nunca os criamos? Como pensar a identidade do Brasil (que não há) e como pensar a da nossa região? Quando há, parece não ser pautada em valores superiores, mas em costumes que não têm uma raiz bem discernida pelos seus praticantes.

A dificuldade de se pensar fundamentalmente uma Política baseia-se na degeneração do pensamento. 

O bem comum, sendo um valor superior que está no fundamento da Política, é o que deve fundar toda prática política futura, esta devendo ser consequência daquele princípio basilar.

A “clandestinidade” de nossa sociedade se dá pelo fato de negligenciar os valores mais altos e viver somente apegados a valores simplórios de manuais, tal qual: “não matar”.

Mas a prática política deve ser a garantidora da manutenção de valores superiores vislumbrados, tais como: Justiça, Bem, Felicidade, Cultura, Estética, etc. Um problema é alcançar tal patamar com uma cultura fragmentária, sem solidez, sem contorno, sem precisão, sem valores.

O grande desafio aos gestores públicos é governar para um povo sem uma base axiológica (valores) definida, do qual ele próprio emerge.

Ou ele administra conforme a ideologia que seu partido prega ou conforme o que ele mesmo concebe como correto. Dos dois modos ele pratica um método paliativo de política, sem profundidade e sem formação cidadã profunda.

Nos primórdios do pensamento filosófico, em A Política, Aristóteles já afirmava que o Estado é necessário porque não somos autossuficientes. Em Ética a Nicômaco, afirma o filósofo grego que, em última instância, a finalidade da Política é o bem humano.

Vemos que não apenas na Grécia Antiga, mas até hoje, pensada racionalmente, a Política não perdeu e não deve perder sua essência mantenedora e conduzente – do homem enquanto coletividade – para o bem comum.

Para isso, deve anteceder à prática política a reflexão sobre o homem e sobre o Bem supremo que ele almeja. É aqui que Política e Ética são indissociáveis. Com isso, todo político que se aparta da Ética degenera o fim último da Politiké e do fazer política, porquanto nenhum Bem está dissociado da reflexão moral.

Vemos, dessa forma, que Política não deve ser confundida com Poder. A primeira é fruto, primordialmente, do pensamento, enquanto o último é produto dos interesses práticos de quem o “joga”.

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