MORTE DE SÊNECA | Peter Paul Rubens |
Para os gregos e latinos antigos, especialmente, viver bem não está relacionado com posses, com honrarias, com cargos públicos e com quaisquer coisas que os valham. A retidão da vida se baseia no grau de virtude que o indivíduo pratica. Essa apologia da virtude é defendida, sobretudo, pelos filósofos estoicos (Zenão de Cítio, Epicteto, Sêneca, Cícero, Marco Aurélio, etc.).
A vida humana, em partes do pensamento clássico antigo, era tida como parte natural do mundo, do Cosmos. Desde as poesias de Hesíodo e de Homero, os acontecimentos humanos e cosmológicos eram explanados por meio de imagens que retratavam um naturalismo no desencadear das coisas.
O pensamento ético, em especial para os estoicos, também tinha como preocupação ver as ações humanas despidas de ornamentos dispensáveis e fúteis. Isto é, pretendia excluir as paixões exacerbadas, o orgulho, a pretensa superioridade e tudo aquilo que seria produto de convenções supérfluas.
Viver de forma natural, para os estoicos, não é viver numa animalidade, num primitivismo. É perceber que há coisas que fogem do controle humano, que muitas de nossas atitudes são desprezíveis e desnecessárias, e que há coisas que são necessárias – indispensáveis –, as quais obedecem a uma espécie de lei natural. A virtude, em suma, é pôr em prática estas visões.
Tudo isso era pensado a partir do fim ou das consequências da conduta humana.
A virtude, assim, teria de estar de acordo com o que é mais natural ou primordial no homem. Dessa forma, o ser humano era compreendido naquilo que lhe era dado por natureza, livre das criações sociais. Por conseguinte, a virtude era a manutenção humana deste espírito natural, sem se deixar deslumbrar pelas superficialidades e pelas temeridades que criamos sem refletir sobre elas.
O autoconhecimento, por meio de uma profunda e cuidadosa reflexão sobre si próprio, enquanto humano, permite que cheguemos às práticas condizentes com aquilo que conhecemos de nós mesmos.
Hoje, no frenesi da vida baseada na tecnologia, na produção e em tudo aquilo que ocupa quase integralmente o dia a dia do homem, nos percebemos tão artificial quanto os produtos que nos acompanham.
Somos levados a pensar que somos aquilo que consumimos e aquilo que temos, justamente por nos considerarmos, inconscientemente, tão superficiais quanto as contingências da vida.
Assim, nosso modo de se relacionar baseia-se no que temos e no que parecemos ser, invertendo o que os antigos defendiam.
Quando se perde a noção de natureza, do curso natural das coisas – inclusive das humanas –, tendemos a correr juntos com as efemeridades, as desmedidas, os temores.
O que é natural é o que permanece conosco e com o mundo. É aquilo que nós não podemos mudar. É nos manter paralelo com o que nos conserve, e, não, nos atormente e degenere. É o curso harmonioso de tudo e de nós mesmos.
Quando nos aliamos às mais variadas formas de superficialidades, nos aproximamos da mesma inconstância dessas futilidades, degenerando a harmonia da natureza que nos rege.
Com a perda da consciência da naturalidade, da reflexão acerca das ações humanas enquanto mantenedoras das virtudes que enobreçam o indivíduo, a Ética fica à deriva, sem fundamentos que viabilizem a pessoa – o agente ético.
A reflexão moral de hoje parece passar ao largo das virtudes. É preciso resgatá-las.
Um pensamento ético deve ser elaborado, primordialmente, em relação com o indivíduo, pensando a virtude. A questão do Outro – portanto, das relações ambivalentes que legitimam a Ética – só pode ser elaborada levando em conta as virtudes, para que o agente moral conheça o que lhe é natural e incorruptível.
Falta ao homem de hoje pensar a virtude, se conhecer profundamente, como ímpeto mais fundamental para agir com outrem.
“Ora, tudo o que é conforme à natureza deve se considerar como bom. Que há de mais natural para um velho que a perspectiva de morrer?” (Cícero, Saber envelhecer).
“a virtude não é inumana, nem avara, nem orgulhosa: tem mesmo por hábito proteger povos inteiros e agir da melhor maneira por seus interesses, o que seguramente não faria se lhe repugnasse amar as pessoas.” (Cícero, A amizade, XIV).
“Se és um grande geômetra, mede a alma do homem, dize-nos sua grandeza ou pequeneza. Sabes o que é uma linha reta, mas de que te serve isso se ignoras o que é uma vida de retidão?” (Sêneca, Aprendendo a viver, LXXXVIII).
“Por que reclamamos da Natureza? Ela se mostrou benevolente: a vida, se souberes viver, é longa. [...] Os vícios sufocam homens e andam a sua volta, não lhes permitindo levantar nem erguer os olhos para distinguir a verdade.” (Sêneca, Sobre a brevidade da vida, II).
“Homem! Examina primeiro de que qualidade é a coisa, depois observa a tua própria natureza para saber se a podes suportar.” (Epicteto, Manual, XXIX).
“Retira de si todo o desejo e transfere a repulsa unicamente para as coisas que, entre as que são encargos nossos, são contrárias à natureza.” (Epicteto, Manual, XLVIIIb).
“Mas o que eu desejo? Conhecer a natureza e segui-la.” (Epicteto, Manual, XLIX).
“O que, pois, pode servir-nos de guia? Só e única a Filosofia. Consiste ela em guardar o nume interior livre de insolências e danos, mais forte que os prazeres e mágoas, nada fazendo com leviandade, engano e dissimulação, nem precisando que outrem faça ou deixe de fazer nada, acatando, ainda, os eventos e quinhões que lhe tocam, como vindos da mesma origem qualquer donde vem ele próprio” (Marco Aurélio, Meditações, II, 17).
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