A MORTE DE SÓCRATES | Jacques Louis David |
O que nos é inalienável, que está conosco o tempo todo e nunca pode ser subtraído pelas circunstâncias externas ou por outrem, é o que devemos elevá-lo e cultivá-lo como superioridade frente às transitoriedades de certas ações e certos valores.
Felicidade não significa euforia (alegria). Correlacionando-me aos antigos, Felicidade significa, grosso modo, serenidade, tranquilidade, imperturbabilidade.
Sobretudo os filósofos estoicos, sempre preocupados em fundamentar uma teoria sobre a conduta humana – não apenas abstratamente, mas que pudessem pô-la em prática –, prezavam pela serenidade humana perante as mais variadas situações concretas.
Hoje, parece que a felicidade concebida nestes moldes perdeu o sentido. Tudo parece se resumir à química cerebral, às doses de substâncias que povoam nosso sangue e nosso cérebro. Parece que felicidade é sinônimo de alegria, euforicamente manifestada. Tudo pura e simplesmente fisicalista.
Não dá para pensar a alegria como felicidade. A primeira é transitória; a segunda, permanente – se cultivada.
Imagine-se sentindo uma grande alegria ao viajar, em vivenciar e adquirir grandes experiências, ou o que você considere profundamente alegre, mesmo que proveniente de ações muito simples. A alegria só permanece enquanto você vivenciar ou enquanto sua consciência estiver voltada, de alguma forma, para estes instrumentos de contentamento.
A felicidade, seguindo uma visão estoica ou predominantemente dos antigos, é mais primordial e radical. Ser feliz, basicamente, é conhecer a si mesmo, saber o que o compete, o limita, o que é necessário à vida e o que é efêmero e dispensável, porquanto não pertence intrinsecamente à existência humana.
Ser feliz é reconhecer e até gozar da alegria momentânea dos prazeres corriqueiros, mas também é reconhecer que há tragédias, mazelas, “má sorte”. Tudo isso – dos prazeres às tragédias – independe somente de nós. O que permanece é nossa consciência do que é natural e não natural, possível e não possível, o inerentemente nosso e o que foge ao nosso controle.
A alegria pode até fazer parte da felicidade, mas ela é parte muito secundária. Ser feliz é ter a sabedoria de reconhecer que sua própria alegria é algo contingente, que poderia não lhe acontecer – e que passará.
Viajar, fazer sexo e até conversar e conviver com amigos não podem constituir a felicidade plena e suprema. Eu posso me tornar privado de exercer tais atividades, seja por motivos de doenças ou qualquer outro tipo de intempérie. Isso não implica que eu me torne um deprimido profundo.
O autoconhecimento, o saber que o mundo é muito mais que eu próprio e minhas vontades, que a única companhia inseparável sou eu mesmo, e que todo o resto não depende exclusivamente de mim, são bases irretocáveis da felicidade.
Ser feliz pode até contemplar o ser alegre, mas o ser alegre nunca contempla o ser feliz, por este ser primeiro em relação a toda atitude.
Só é feliz quem promove a felicidade, antes de tudo, em si mesmo. Isso se assemelha ao que Demócrito afirmou, no Fragmento 171, de que a morada da felicidade é a alma, e, não, os rebanhos e o ouro.
Podemos ser alegres, mas, quando a alegria sucumbir, que aprendamos a ser felizes.
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