O homem alheio de si

NÃO SER REPRODUZIDO | 
René Magritte
A odisseia humana em busca das explicações do mundo tem trazido cada vez mais respostas – ou, ao menos, novas evidências que não são, necessariamente, respostas definitivas.

Mas algo continua oculto e, enigmaticamente, desconhecido: a mente humana.

Por mente não entendamos o cérebro. Ela é algo que não puro cérebro. Ou seja, a fisicalidade do órgão cerebral, por si só, não mostra sentimentos, emoções, paixões, manias, distúrbios, etc. Por exemplo, se submetermos o cérebro a uma ressonância magnética não saberemos o que a respectiva pessoa está pensando ou sentindo, embora saibamos qual a parte do cérebro possui mais atividade naquele momento.

John Horgan, no seu livro A mente desconhecida, afirma que quanto mais se conhece o cérebro mais difícil é construir uma teoria unificada da mente. O que isso significa? Quanto mais se tem evidências do funcionamento do cérebro, mais distante se mantém a explicação para a correspondência unificada de cada parte destas evidências.

Em outras palavras, a mente – ou seja, o que faz você refletir, raciocinar, etc. – tem se mantido oculta. Os neurocientistas, os psiquiatras e os psicólogos não têm conseguido constituir um reducionismo necessário para explicar a mente humana.

Ao invés de o conhecimento sobre o cérebro guiar os cientistas para uma unificação, os guia para uma complexidade que torna mais distante o entrelaçamento que uma explicação plausível requer.

Se admitirmos que a mente se resume a partículas físicas, ou seja, a partir de uma teoria materialista, caímos no que John Searle asseverou, em A redescoberta da mente: deixamos de lado algumas características essenciais da mente, como a consciência e o conteúdo semântico.

Para um materialista estrito, resta explicar como a experiência vivida pode afetar seu comportamento, sua personalidade, sua individuação. E como isso se relaciona com as outras atividades cerebrais.

Nesta perspectiva materialista, vale citar uma objeção de Merleau-Ponty, contida em A natureza (p. 237): “enquanto analisarmos o organismo parte por parte, só deparamos com fenômenos físico-químicos, mas quando passamos a considerar o conjunto do organismo, a totalidade deixa de ser passível de descrição em termos fisiológicos e manifesta-se como emergente”.

A totalidade, trazendo para a abordagem da mente, é o que falta para uma teoria da mente contemporânea. É o que se fala de um reducionismo (neste caso, não de uma forma pejorativa).

Para falar semelhantemente a Max Scheler, em A posição do homem no Cosmos, quando ele fala de comportamento, precisamos explicar a mente duplamente: fisiológica e psicologicamente. É um erro explicarmos fisiologicamente em detrimento do psicológico e psicologicamente em detrimento do fisiológico. O problema consiste, justamente, neste intermediário.

De acordo com os vários estudos e experimentos que Horgan nos mostra, no seu livro aqui já citado, a mente humana não é explicada pela biologia nem pela psicologia. 

Os psicofármacos possuem muito de efeito placebo ou apenas de efeitos efêmeros e paliativos, na melhor das hipóteses.

As psicoterapias também possuem as mesmas características.

Assim, nenhum dos vieses, até hoje, tem explicação exclusiva e segura sobre a mente humana. Estamos imersos, ainda, no desconhecido.

Há um hiato explicativo entre o objetivo (físico-químico) e o subjetivo (mente, consciência, Eu). Como afirma João de Fernandes Teixeira, em seu O cérebro e o robô, até hoje as descobertas da biologia, da neurofisiologia e da bioquímica não puderam nos auxiliar na compreensão da consciência, no passar da objetividade para a subjetividade.

Para fins de curiosidade e pesquisa, há uma vertente atual da mente quântica, teoria desenvolvida pelo anestesiologista Stuart Hameroff e pelo físico-matemático Roger Penrose. A teoria chama-se Orch-Or (Orchestrated Objective Reduction [ou: Redução Objetiva Orquestrada]).

Em linhas gerais, segundo estes cientistas, a consciência pode estar relacionada aos microtúbulos neuronais, que são microestruturas proteicas que determinam a estrutura das células e que possuem outras funções.

Hameroff defende que, embora ainda seja uma teoria, a Orch-Or pode ser testada cientificamente em um curto prazo.

Não tenho a pretensão de discorrer sobre a teoria de Hameroff e Penrose. Citei-a apenas para que, se houver interesse, você possa pesquisá-la.

Em suma, o homem alheio de si é aquele que, cientificamente, conhece muito sobre outras coisas, mas desconhece o seu íntimo.

Comentários