O AÇOUGUEIRO | Honoré Daumier |
Para este filósofo, o homem não possuindo nenhuma essência que o anteceda, ela deve ser constituída a partir de suas práticas. Sendo assim, seus atos retratam um modelo de homem, que tende a se universalizar.
Seguindo este raciocínio de Sartre, a corrupção é um dano inestimável para a sociedade vista coletivamente.
Entendo por corrupção ações que visam, ao largo das leis e da Ética, aos benefícios individuais ou de um grupo de indivíduos.
Quando o homem age maldosamente, promovendo para si benesses exclusivas que de outro modo não promoveria, sua prática está em desacordo com qualquer bem geral.
Se a prática corruptiva se generalizar a todos os homens a sociedade se sucumbe, uma vez que os danos repetitivos e generalizados tendem para o colapso daquilo que danifica. Se o que se danifica, com a corrupção, é o bem-estar social, então a sociedade entrará em decadência.
A corrupção se caracteriza pela desestabilização de uma determinada ordem. Assim, é impossível que todos os homens sejam corruptos por muito tempo, uma vez que o parasitismo decompõe qualquer solidez que tenha existido e que serviu de alimento.
A única responsabilidade com a qual os corruptos mantêm uma relação estreita é com o seu egoísmo. Eles são aquilo que Karl Jaspers chamou de “pequeno político”, os quais agem de acordo com o que lhes trará mais vantagem.
O grande político, defendido por Jaspers, em sua exposição A posição do homem na política, contida no livro Introdução ao pensamento filosófico, é aquele que eleva a si mesmo e a seu povo à dignidade do Humano.
Esta postura do grande político se assemelha a uma concepção baseada no pensamento de Sartre, de que o homem é responsável por todos os homens.
Jaspers afirma que o grande político, “por meio do seu próprio agir, educa seus concidadãos”. Assim, é com seu exemplo que ele deve mostrar qual o modelo de Homem a ser cultivado. Isso se torna sua responsabilidade primeira: a responsabilidade por todos os homens.
O político preocupado e responsável por todos os homens age de tal forma a engrandecer os seus representados. A degeneração de suas ações, se tornada modelo, é a degeneração de sua própria sociedade.
Quando a ação corruptiva se torna regra vigente em um sistema de governo, tornando a corrupção um fato sistêmico, a responsabilidade com a sociedade é nenhuma.
A sorte, se é que podemos usar este termo, é que no corpo social ainda se vislumbra algum sentimento genérico de moral. Isso se revela nas pesquisas, quando estas retratam a desilusão da sociedade com a classe política.
Contudo, como conceber que a sociedade civil detém algum sentimento ético e que os políticos – não apenas eles, mas outros corruptores –, em grande escala, são promotores de corrupção? Sabemos que os políticos fazem parte desta mesma sociedade da qual emergem.
Será que aquela afirmação de que a corrupção é cultural faz algum sentido? Se assim o for, parece que a defesa de Sartre de que o homem é responsável por todos os homens faz sentido, uma vez que, culturalmente, somos habituados a promover pequenos “delitos” cotidianos.
E, dessa forma, há uma prática degenerativa generalizada que perpassa pela sociedade inteira, nos tornando um espectro de ações repreensíveis. Se assim somos, nossa má responsabilidade é coextensiva àqueles que nos representam.
A reversão desta imagem e deste modo de ser deve ser empreendida de baixo, por nós mesmos, para que os representantes futuros permaneçam sendo o espelho de sua sociedade, mas com novos contornos.
Nós somos responsáveis por nós mesmos e por todos. Não devemos esperar que os detentores do poder o sejam, enquanto nós mesmos não nos responsabilizarmos pelo outro e por todos os homens.
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