MANHÃ DE SOL | Edward Hopper |
Este movimento de estar voltado para fora de si mesmo e sendo consciente do ser daquilo que nos engloba pode ser denominado, sem maior rigor, de transcendência.
Pensar sobre o Absoluto não pode ser apenas uma inversão, como queria Hume, daquilo que experienciamos: o finito, o particular, o temporal. Concluirmos, do fato de pensarmos no Todo, que é meramente o contrário de pensarmos no particular é, contudo, negligenciar o homem enquanto ser-no-mundo.
Temos a noção da Plenitude não por oposição ao limitado, mas por nossa situação no mundo; mundo tal que não se resume ao ambiente no qual o homem vive, mas à conjunção de todas as visadas, de todos os saberes, de toda a reflexão.
Resta-nos saber a diferença antropológica que nos torna “animais humanos”, capazes do pensamento que transforma o ambiente restrito do animal em mundo para o homem. Isso é tarefa de uma Antropologia Filosófica.
Mas, voltando à questão central do texto, a transcendência que se move no questionar o Ilimitado não é um simples pensamento que contrapõe conceitos.
O sentimento do Ilimitado é real, no sentido em que aquele que o sente se percebe situado em algo que o abarca e que o sustenta, sendo a ele anterior.
O mundo, para o homem, não é mais apenas a sua província, o seu país, o seu continente, o seu planeta. O mundo é a confluência de todos os saberes adquiridos pelas mais variadas ciências, religiões, doutrinas – e de todo o pensamento disseminado.
O “Absoluto” não é mais o conceito “relativo” invertido, a fim de opor-se a esse último: mas o sentimento englobante da situação apequenada do homem.
Se o homem se sente pequeno, em decorrência da sua capacidade de pensar perante a vastidão do mundo, é porque sua pequenez só é possível ser pensada a partir de uma referência. Esta referência é a infinitude, o ilimitado, o eterno.
Não posso me pensar pequeno sem compreender em detrimento de quê esta pequenez se refere.
Assim, o Absoluto ultrapassa uma banal contraposição conceitual, sem aderência à vivência humana.
O mito e a religião, por exemplo, são formas genuínas de lidar com o Absoluto. E eles são os mais refratários a uma análise meramente lógica, para falar como Cassirer, no seu Ensaio sobre o homem.
A religião não é fundada sobre o resultado de oposições de conceitos, como sendo o Absoluto o resultante do contrário do relativo. Mas sua gênese deve ser investigada pela condição humana de estar circunscrito em um ponto do Todo e disso ser consciente. O homem é uma fraqueza no coração do ser, como afirmou Merleau-Ponty, no Elogio da filosofia.
O fenômeno do Absoluto nos é desvelado pela nossa consciência situada, enredada numa existência particular. Uma consciência sapiente de que só é na sua relação com tudo o que não é ela mesma. E este “tudo” é de uma amplitude que não comporta apenas o por ela conhecido, mas, principalmente, o que se mantém velado no seio do ser.
Enfim, a relação de transcendência com o Todo se constitui na efetividade da existência humana, enquanto ek-sistência heideggeriana – ou seja, uma abertura à totalidade dos fenômenos das coisas, do homem, do mundo.
A relação de conceito é posterior a esta relação originária entre o homem e o mundo, da qual se institui a linguagem, o mito, a religião, a arte, a ciência, a filosofia.
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