O GRITO | Edvard Munch |
Este homem é o que não tem acesso à leitura, à formação cidadã e profissional. Sua vida se constrói nos retalhos sociais, com trabalhos insalubres, transitórios, desumanos.
Os exemplos que ele buscava, por meio do que as mídias conseguem mostrar, dissolvem-se a cada dia nos noticiários. O desamparo moral se torna real. O niilismo – o nada que envolve a vida vivida – abre-se à sua frente.
A insuficiência daquele homem que já se sentia insuficiente mostra-se intransponível, insuperável. Nenhuma moral, nenhum princípio ético, são mais possíveis para este homem, porquanto seus modelos se desmancharam na solidez das conveniências práticas das ações imorais.
Diante da dissolução da ética – mesmo que uma ética suposta –, o homem insuficiente se transforma em um escravo de sua descrença absoluta.
A responsabilidade dos que estão no mais alto poder da nação, ou dos poderes locais, é de servir à população, mas também e não menos importante de ter a incumbência de tratar a Política como a arte de promover o Bem, que desde Platão e Aristóteles é defendida.
Sem esta segunda responsabilidade, os homens são entregues à absoluta crise de valores aos quais se agarrarem. É neste aterramento da moral pelo poder que a perigosa perspectiva messiânica toma fôlego: a figura de um herói ou salvador, com a carapaça ética e com o vigor de um “guerreiro”.
Não vivemos sem modelos a seguir. E o homem insuficiente, sem acesso a discussões mais profundas sobre a vida humana, em seu sentido amplo, e sucumbido em suas limitações e dificuldades, alude às mais rudimentares formas de “salvação” que lhe aparecerem.
Contudo, a degeneração do mundo político não afeta apenas o homem insuficiente tal qual exposto. Ela afeta até o mais otimista dos homens. Afeta o homem suficiente, aquele que tem acesso à cultura, à formação humana e profissional.
O escárnio da vida pública degenerada nos leva a pensar qual o limite entre o pensamento moral e a ação, visto que aquele primeiro é praticado por “homens de cultura”.
Já em Platão, no século IV antes da era cristã, a educação do guardião da cidade (Estado) era tratada, como forma de garantir a condução moral do governo e do povo.
Esta preocupação, com suas modificações, é claro, perpassou pela história da filosofia. E permanece.
A ética é um tema inesgotável, não simplesmente por seus conceitos, mas pela necessidade que a maleabilidade da vida humana impõe.
O homem suficiente, também atingido pelo desmoronamento da moral pública, igualmente tende ao niilismo, ao nada. Não sabe ele como superar o fosso entre ética e ação.
A instituição da ética não é trabalho de um, mas de um coletivo. E este coletivo aflige o homem bem intencionado na medida em que está maculado pelos interesses particulares, pelo desejo da ilicitude, pelo desvio de caráter.
O homem insuficiente tende ao messianismo, enquanto o homem suficiente aproxima-se à nadificação moral, já por não acreditar mais em nenhuma aplicação desta última.
A perda dos horizontes é a mácula mais danosa que a chacota do poder promove ao povo.
O Espírito de uma nação escarnecida demoniza-se e se torna a penumbra sombria da maldade, da desesperança e da crença de que o mau é constituinte primário da natureza humana.
A situação econômica de uma nação não se sobrepõe à sua situação espiritual. Nenhum doente terminal, por mais que possa adquirir os mais belos apetrechos, deixa de ser doente e de estar na iminência da morte.
A infraestrutura de uma nação é o homem. Na mesma medida em que os homens dão à pátria a identidade desta, retira dela seu modo de viver. É nesta circularidade que se institui a cultura. Que cultura e que forças esperar de uma nação cujo povo se sente desamparado e desesperançado?
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