A EXPERIÊNCIA MÍSTICA | Deidre Firestone |
A mística especulativa diz respeito à reflexão filosófica sobre o mistério do Ser, tentando mergulhar nas profundezas insondáveis e inefáveis da experiência humana com o Absoluto.
A mística mistérica, por sua vez, concerne propriamente à experiência vivida, em um espaço sagrado, do divino ou do “deus”.
Por fim, a mística profética vincula-se à Palavra da Revelação, como comunicada, recebida e vivida pela tradição, pelos profetas.
Estas três formas constituem a experiência mística em sua totalidade. Em todas há um voltar-se para a transcendência.
Para Lima Vaz, a experiência mística é um “fenômeno totalizante, no qual estão integrados todos os aspectos da complexa realidade humana”. É uma anulação da distância entre o sujeito da experiência e o Absoluto – entre Eu e o Outro absoluto.
Os ritos e rituais, que constituem todas as sociedades que cultuam uma divindade ou algum Absoluto, fazem parte da “infraestrutura” da experiência mística, principalmente em sua forma mistérica. O espaço sagrado – seja um templo, um ambiente específico, ou algo que o valha – também é visto como parte desta “experiência fruitiva” do Absoluto.
A experiência fruitiva, como Lima Vaz nos coloca, é o conhecimento do objeto (o Absoluto) e sua adesão afetiva e intencional, que estão além dos modos usuais de operar de nossas faculdades superiores.
Mas, na nossa sociedade contemporânea ocidental e, em especial, naquela que está mais próxima de nós, os espaços sagrados e, sobretudo, o Absoluto perderam o seu sentido.
Os espaços sagrados não são nada mais nada menos que aquilo que Nietzsche chamou de “túmulo de Deus”, no aforismo 125, de A gaia ciência: “O que são estas igrejas senão túmulos e monumentos fúnebres de Deus?”.
As missas e cultos dominicais, para a grande maioria, passaram a ser apenas o reconhecimento dos “pecados” do dia a dia, como a tentativa de expurgar as faltas de ontem; e já pensando no próximo para expurgar as faltas de amanhã.
As igrejas transformaram-se como que em uma marcha fúnebre constante para Deus, uma vez que o Absoluto está velado e sua experiência só bate à tampa do seu caixão.
Estes espaços sagrados, que deveriam ser parte integrante de uma experiência mística legítima, já não sabem mais para que pregam.
Os próprios “sacerdotes”, os que deveriam pastorear e representar o sagrado, estão imbuídos, em grande parte, no mal. Ou seja, estão contaminados com o oposto do que afirmam, subvertendo a tradição metafísica e teológica ocidental, a qual, em algumas vertentes, defende a coincidência, de um ponto de vista global, entre Ser e Bem; como em Aristóteles (Ética a Nicômaco): “Tudo que é acaba sendo bom”; e Agostinho (Confissões): “enquanto as coisas existem, elas são boas.”; “vemos que tudo o que de algum modo existe é bom, pois recebe seu ser daquele que é, não de um modo qualquer, mas de modo absoluto.”.
Assim, se Deus é, Ele é bom. Portanto, agir contrário a isso é contrassenso.
A vida que se diz religiosa hoje perdeu o significado do que é a religiosidade. A religião institucionalizada é apenas a representante de um niilismo generalizado, ou seja, de um culto ao nada. Mas este culto continua sendo legitimado pelo cortejo fúnebre de Deus, o qual já não possui mais nenhuma característica enquanto objeto de experiência.
Continua-se a sentir esta necessidade de fruição, de contato com um Absoluto, mas que ninguém mais sabe onde e como anular esta distância entre si e o “Transcendente”, o que está além.
A experiência mística, que não é o mesmo que misticismo, “é um dado antropológico original” (Lima Vaz). Não é criação de uma cultura monoteísta, cristã ou doutrinária. Ela faz parte da estrutura do homem enquanto homem, sendo concebível nas mais diversas sociedades e culturas, e nos mais longínquos tempos.
É parecido com o que afirma Aldous Huxley, no Introdução de sua Filosofia perene, que encontram-se rudimentos da filosofia perene – a qual se preocupa primeiro que tudo com a Realidade uma, divina, substancial – no saber tradicional de povos primitivos em todas as regiões do mundo.
Como o objeto da experiência mística, que é o Absoluto, se configura em tempos de fragmentação e individualização social? Qual a responsabilidade que o individualismo, o narcisismo, enfim, o niilismo (aquele passivo do qual Nietzsche falava) tem para com a perda da dimensão mais profunda do humano?
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