Uma pequena reflexão sobre os dias atuais

UM MOMENTO DE REFLEXÃO |
Delphin Enjolras
A Igreja só terá um respeito mais “universalizado” quando ela mesma for exemplo para todos. Enquanto se quiser passar por “legalista”, não passará de um poder humano como outro qualquer.

E o poder humano do qual falo é como ele é: passível de falhas brutais.

A maior e mais eficaz “conversão” que a religião pode fazer é pelo exemplo; não pela força  quer seja da Lei, quer seja das “homilias” odiosas.

A Igreja, enquanto Comunidade que é, não pode forçar alguém a seguir seus preceitos. Deve, antes de tudo, ser o espelho, para que o acolhimento se faça possível por espontaneidade de quem a procurar.

Se o mundo está nas Trevas, como defende, que ela se torne Imaculada para receber aqueles que, cansados da mundaneidade, escolherem o Caminho de Perfeição.

O mundo de hoje não é mais o mundo dos primeiros séculos do cristianismo. Nem a força o fará assim.

Os valores contemporâneos, por mais que discordemos de muitos deles, são outros. A Igreja deve se preocupar com a sua Santidade, para permanecer como refúgio aos “arrependidos”. A pretensa imposição de sua doutrina não fará ninguém santo. Apenas seu exemplo é que pode cativar.

Grande parte dos Santos da Igreja Católica viveu enclausurada em Conventos e Mosteiros ou na solidão dos eremitérios. Não se tornaram santos compulsoriamente nem forçaram outros a serem.

A proximidade do discurso político com os moralismos religiosos apenas evidencia a sede de poder que impulsiona os homens: sejam eles da política, sejam da religião.

“Moralismo religioso” porque é imputado de fora, sem nenhuma reflexão sobre seu significado por aqueles a quem são dirigidos  nem, quase sempre, por quem imputa.

A única coisa que leva um indivíduo à Religião é a Iluminação interior, e nunca um ofuscamento exterior. Portanto, impor dogmas de fora, para a pessoa, só termina em uma coisa: a derrocada daquele que impõe, por contrapeso. Ou seja, a revolta se fará presente em algum momento, como reação.

O moralismo sociopolítico, em muito baseado em valores ditos cristãos, só arrebanha aqueles que querem a “moral” firme para os outros, mas que geralmente têm dificuldade em cumpri-la em sua totalidade.

Os “pais de família” que se escandalizam com certos acontecimentos na sociedade são os mesmos que adulteram suas esposas ou oprimem pobres, negros e homossexuais. Seguem este pensamento: “os valores morais são ótimos nos outros, mas, para mim, uma pequena exceção é válida”.

Nem Estado nem Religião tornará alguém bom ou ético se esta “revelação” não nascer no íntimo de cada um. Cultura e educação, basicamente, fazem este papel.

Platão já dizia, na República, que “nenhum ensinamento compulsório é retido pela alma”. Ele falava da Educação. Mas, abrindo licença para uma paráfrase, nenhuma moral forçada é retida pela alma, sem antes nos autoconhecermos.

Se a religião quer, de fato, converter, tem de deixar livres os indivíduos, e não “aprisioná-los”.

E o político que se autointitula cristão e defensor da implementação deste valor, a fim de angariar seguidores e votos, é autoritário, porque não podemos introjetar no outro algo que só no íntimo deste é germinado.

Mais perigoso que um político autoritário é a massa que, por coextensão, é autoritária. Para falar como Étienne de la Boétie, no seu Discurso sobre a servidão voluntária, o que seria do tirano se não fossem os tiranetes que o sustentam?

A onda do autoritarismo está voltando. O que mais me admira é que ela não é inédita. Conhecemo-la de milênios de história. O que não percebem é que, mesmo tendo havido outros eventos repressivos e autoritários, chegamos ao que chegamos hoje. Se a repressão fosse o caminho, teria dado certo ao longo dos tempos nos quais ela foi praticada.

Em suma, quando a Igreja quer se tornar poder político macula sua característica de acolhimento e de refúgio espiritual, tornando-se apenas mais um modo sistemático de poder e, por conseguinte, afugentando os homens.

E quando os homens da política querem se tornar uma espécie de clérigo, maculam a Igreja por, sem nenhum escrúpulo, permanecerem mundanos  apenas com a capa de Bom Samaritano.

O salutar, portanto, é manter, separadas, a Igreja com seu papel de espiritualidade e religiosidade e a Política com seu papel de Governo.

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