Byung-Chul Han e a estafa da sociedade contemporânea

O BEBEDOR (Le Buveur) | Paul Cézanne
Han é um filósofo sul coreano radicado na Alemanha. Percorrendo sua obra logo vemos que ele se debruça sobre o diagnóstico da sociedade de hoje, e também sobre uma nova forma de sujeito.

O objeto deste texto é o seu livro intitulado Sociedade do cansaço (Vozes, 2015). Neste escrito, Han defende um novo modo de subjetivação referente ao trabalho ou à produtividade, que desemboca em uma exaustão mental. 

Este filósofo não enxerga mais a relação de trabalho como a imposição de um patrão sobre um empregado. Agora, o sujeito é seu próprio “patrão”.

Han abole o controle externo, imputado por outro, presente no “sujeito industrial”, em detrimento do poder de si mesmo  ou da autorreferencialidade. Aquele primeiro é uma forma de negatividade, de ruptura, enquanto este é um modo de “superpoder” de si, de positividade.

Não há mais negatividade: não há um Eu incapaz e um outro supercapaz. Tudo é positivo: agora o Eu é sempre autoconsciente de sua capacidade de fazer bem feito  desempenho  o que a produção requer. E sem uma instância que o comanda, de fora.

O excesso de positividade não é a "ruptura" de um Eu em detrimento de um outro (como uma imposição de outro sobre mim); isso ainda seria a sociedade de controle foucaultiana, que mantém o sujeito sob a vigilância de um senhor

A positividade do sujeito de desempenho é a aniquilação da diferença enquanto alteridade provida de um interior próprio. O excesso de positividade é o excesso de igual (p. 16). Assim, sendo tudo igual, não há mais contra quem lutar ou estar submetido. O explorado e o explorador são o próprio indivíduo, ao mesmo tempo (p. 30; 47).

O sujeito de desempenho está imerso na lógica do autopoder, isto é, ele pode tudo, o que faz dele um completo capaz. Esta capacidade irrestrita está sob o "império" do desempenho, vinculado à produtividade. O desempenho é a forma de manter o sujeito submetido ao seu poder.

Este novo sujeito não está mais subordinado à coerção, que, segundo Han, é a negatividade que domina a sociedade de controle. Não há mais punição, na sociedade de desempenho, como havia na de controle. A punição se configura como negatividade por ser um bloqueio, e, não, uma continuidade. Sendo um bloqueio, ela desemboca em menos produtividade. 

A sociedade de desempenho, ao contrário, quer elevar ao máximo a produção. Para isso, ela se desvincula da lógica coercitiva e se transforma em contínua produtividade. Para se manter, esta última lança mão do "poder", do sujeito que sempre e tudo pode.

“Positividade” não significa “positivismo”, no sentido de este último ser uma objetificação ou uma imposição. Aquela quer dizer que não há mais agente externo ao próprio sujeito que o “negue”, constrangendo-o, coagindo-o etc.: só há positividade, completude de si mesmo.

De fundamental importância é entender que a abolição de um mecanismo externo de coerção não significa uma total liberdade, como se o sujeito agora vivesse livre para fazer o que bem quer. Pelo contrário, a liberdade se alia à coação e o sujeito de desempenho se transforma em uma espécie de autorrepressor. Esta autorrepressão baseia-se na consciência de que o sujeito tem o poder de tudo fazer para produzir cada vez mais e melhor. Assim, em qualquer iminência de “não-poder” o sujeito coage a si mesmo.

O excesso de positividade faz do sujeito de desempenho, extremamente positivo, um contínuo “fazedor”, trabalhador. Esta continuidade obceca  torna cega  qualquer parada, qualquer atenção, qualquer contemplação. Enfim, oblitera a “pedagogia do ver”. O sujeito não mais reflete.

Este sujeito está fadado à fadiga psicológica, neuronal; porque ele é uma continuidade, um pensamento disperso numa infinidade de coisas (p. 58). E o contínuo, sem rupturas, é uma avalanche de processos dos quais seu escape se torna impossível se não houver “intervenção”.

Neste contexto de positividade, o homem se extenua por falta de parar, de saber-se ou reconhecer-se limitado. A depressão e as outras síndromes hiperativas se erigem neste redemoinho de supercarga.

O sujeito somente positivo desconhece o “não”. Ele só quer desempenhar bem a sua competência, sem se ater às suas próprias fronteiras.

A massificação do desempenho gera o esgotamento do Eu, do eu-posso-tudo-e-sempre-desempenhar. Assim, o homem recai nas mais incapacitantes síndromes atuais, que o impossibilitam ser o que pensa que é  paradoxalmente por medo ou por constatação do não-poder-mais

Han quer nos mostrar que o sujeito que é o tempo todo poder (poder-fazer/poder-ser) perde a reflexão, por não reconhecer mais, talvez, outros modos-de-ser. Ele está ocupado o tempo todo consigo mesmo, por um exagero de Eu-para-mim, ou seja, o ego tornado hegemônico. O Eu que pode tudo sempre e o tempo todo.

O sujeito de desempenho não se vê mais passível de incapacidades ou de limites. Ele se absolutiza enquanto poder.

A leitura deste livro é recomendada para que iniciemos no diagnóstico de nossa sociedade contemporânea, desta nova forma de subjetivação, de ser sujeito.

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