Absolutismos e humanidade

OS SEMEADORES |
Thomas Hart Benton
O romeno Émil Cioran, o ícone pessimista contemporâneo, abolia qualquer ideia de Absoluto.

Afirmou ele, no seu Breviário de decomposição, que basta alguém falar em ideia, futuro e até de filosofia para se tornar um inimigo seu.

É claro que o irracionalismo, nesta postura, é levado ao ápice. Ou seja, a recusa por qualquer modo de pensar profundo e prático.

Não podemos construir uma sociedade civilizada se levarmos a cabo este pensamento.

Cioran, apesar do seu pessimismo radical, queria nos mostrar que as ideias absolutistas, que remetem à totalidade, possuem a raiz do totalitarismo e, por conseguinte, do fanatismo.

As palavras, tanto para o romeno quanto para Nietzsche, são animadas pelo homem, a fim de dar sentido àquilo que não tem significado senão para a posse humana.

As ideias, por sua vez, sobretudo as políticas, têm o agravante de mexer com a vida do indivíduo. Elas invadem o íntimo inviolável que é a liberdade de cada um.

Quando compactuamos com pretensas “verdades universais”, omitimos as diferenças particulares. Estas são inerentes ao conjunto de coisas que abarcamos dentro dessas “verdades”.

Nietzsche chama esse recurso de universalização de “igualar os não iguais”, no seu Verdade e mentira num sentido extramoral. Dessa forma, as diferenças são ofuscadas.

Quando o diferente é ignorado, em prol de um universal, o engano se faz presente, devido a um julgamento que não leva em conta as particularidades.

Quando universalizamos a sociedade, com seus indivíduos, em função de um pensamento político “totalitário”, caímos na armadilha de excluirmos desta mesma sociedade aqueles “pequenos casos verídicos”, assim chamados por Merleau-Ponty em Sobre as notícias do cotidiano.

Estes pequenos casos verídicos são aqueles da vida cotidiana de cada um: suas dificuldades, seu trabalho, sua vida doméstica, seu salário, suas condições financeiras, étnicas, raciais etc.

A vida cotidiana de cada um é o que há de mais verdadeiro dentro de um generalismo de ideias. Este último é apenas um emblema que encobre as verdades mais básicas da existência humana.

Os absolutismos só servem enquanto manobra de poder, mas que pouca ou nenhuma usabilidade têm no interior da vida individual ou de grupos, com seus detalhes que requerem ser vivenciados a seus modos.

Para terminar, vale ressaltar o que Cioran expõe. Para ele, os espertos, velhacos e farsantes, não acreditando em nada e não vasculhando nossos corações, salvam os povos que os fanáticos e os “idealistas” arruínam pelo despotismo dos princípios.

Em outras palavras, o mundo é sempre este incerto. A existência humana se constrói a cada situação a ela imposta. A vida do homem é constituída sobre as fundações de sua liberdade, nada havendo acima ou atrás dele que sopre ao ouvido dizendo o que fazer de cabo a rabo de seu viver.

Os ideais, portanto, refletem um homem que não existe: aquele ser supremo que a metafísica clássica e a religião elevaram. Esquecem o cotidiano, a vida vivida, as ânsias animalescas e as sensações pré-humanas.

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