O TRIUNFO DA MORTE (detalhe) | Pieter Bruegel, o Velho |
Lembro-me do que um colega me falou há um tempo: “a sociedade me deprime”.
À época, concordei com este sentimento dramático. Eu ainda não conhecia o pessimismo filosófico.
Aproximando-nos do ato de ideação de Scheler, costumamos idealizar o mundo, inclusive o humano. Idealizá-los em categorias universais, em modelos, em grandezas, a partir de essências.
Esta pureza do homem, enquanto um ser excepcional provido de Espírito, que pode distanciar-se do terreno da vida vivida, faz com que pensemos em uma natureza humana boa.
Na Aurora, Nietzsche – embora não fosse um pessimista, mas um pretenso civilizador – afirma que o homem, para não se incomodar com sua miséria e para se livrar da animalidade natural que carrega, inventou a “natureza boa”. O homem, assim, é um novo modo de ser animal.
Se pensarmos na nossa gênese, como defendida pela antropologia arqueológica, como no Lucy, de D. Johanson, vemos que o sapiens primitivo combateu seus contemporâneos neandertais.
Com isso, dentre outras coisas, chegamos aqui porque fomos capazes da violência, da negação, do combate. Em suma, do instinto de violência.
O homem, desde sua aurora mais remota, não evoluiu puramente pelo ato de idear. Mas, sobretudo, pelas vias animalescas mais banais e mais baixas.
Em As dores do mundo, Schopenhauer põe o sofrimento como regra da vida humana. Mas vê nesta expiação, fundante do humano, um caráter positivo: a dor nos faz cuidar de nós mesmos.
Para ele, a dor é positiva, enquanto a felicidade e o bem estar são negativos. Estes dois últimos nos tornam despreparados para os impasses e os imprevistos da existência.
Cioran, talvez o pessimista mais ácido que a história da filosofia tem em conta, defende que escrever o que ele escreve é tornar a vida humana suportável.
Diferentemente de o pessimismo fazer com que quem o lê suicide-se, faz com que o leitor ou o pessimista embrenhe-se na crueza da vida humana.
A humanidade é a mesma que produziu Madre Teresa de Calcutá e Irmã Dulce. Por outro lado, também produziu Hitler e aqueles mais próximos a nós, que decapitam pessoas e riem com suas cabeças à mão.
Entre estes extremos, a vida humana se conduz na mediocridade, entre os indivíduos medianos e medíocres; entre as boas e más ações; entre os interesses dos agentes e as ações desinteressadas.
O valor do pessimismo está no fato de tolerarmos a existência como ela é em seu fundo: selvagem, contraditória, controversa.
Ao contrário de o pessimismo ser um aceitar passivo, é um crítico feroz das aspirações ilusórias, das megalomanias infundadas.
Nenhum sentimento civilizatório universal é capaz de anular as relações de proximidade que estimulam tanto o que denominamos de bem como o que denominamos de mal.
Voltando ao início do texto, a sociedade só nos deprime quando nossas expectativas sobre ela não são correspondidas. O pessimismo evita que esperemos sempre algo de beneficamente grandioso.
O existir parece mais com as pinturas de Bruegel, o Velho – que esboçam a vileza humana e a baixeza das relações – do que com a imácula ideal de Botticelli.
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