Eleição, candidato e eleitor

GRÉCIA NAS RUÍNAS
DE MISSOLONGHI | Eugène Delacroix
Dentro da realidade da vida vivida não há indivíduo ideal. Por consequência, no sistema político também não há candidato assim. 

Não trato a política partidária como idealismo. Ela deve ser a soma das circunstâncias associada à manutenção ou promoção de justiça (não justiçamento) para os indivíduos e para o corpo social.

Uma eleição se caracteriza, inicialmente, pelas possibilidades, ou seja, por quem se apresenta apto a ser eleito, dentro de uma realidade sociopolítica. 

O fazer política ultrapassa o partidarismo, este último sendo uma condição necessária para as eleições tal como o são. Todavia, não é uma condição suficiente. O partidarismo é apenas protocolar.

Quando os candidatos são definidos, seu julgamento, pelo povo, toma forma – pelo passado, pelo discurso, pelo que defendem e até pelo que não defendem.

O temperamento de cada um, um fato individual que cada um de nós carrega, não me diz respeito. O temperamento é um fenômeno de personalidade. E nossa personalidade é construída, em grande medida, pelo processo de individuação do qual Jung fala.

O que me é de responsabilidade analisar, no aspirante ao cargo eletivo, é o discurso político e sua visão de mundo e de humanidade.

O discurso político, e em especial aquele que é fruto de uma visão de mundo de quem o profere, estende-se à população como uma rede de intenções. Generaliza-se.

Ele foge à individualidade do emissor. Configura-se no simbólico, no imaginário dos seus receptores, ou seja, da população. É por isso que se generaliza e, o que é mais importante, materializa-se.

O discurso se exerce na dimensão do que se presume como verdade. Por isso que ele se pretende universalizante.

A materialidade de um discurso político, ou um discurso de massa, é a reprodução de uma mentalidade por parte do povo – isto é, uma forma de agir, de ser sujeito.

Os atos de fala, dos quais tanto falou o filósofo da linguagem John Searle, pressupõem tanto quem pronuncia quanto quem ouve. É nesta relação ambivalente que as ações se estabelecem. É por a fala (discurso) comportar propósitos que há, a partir dela, ações. 

A visão de mundo de um governante é a base sobre a qual ele direciona suas intenções e seus atos. Quando disseminada, serve de justificativa àqueles que a seguem.

Como a política não deve ser feita apenas por um conjunto de técnicas, sob o risco de incorrer numa tecnocracia, é também fundamental atentarmos às defesas humanistas de quem se candidata. 

O humanismo de que falo aqui não significa a criação de um novo tipo de homem, mas o respeito da dignidade à pluralidade de ser humano que somos. E este respeito não prescinde da inclusão social, do pertencimento, à sociedade, de cada indivíduo. 

É preciso incluir o diferente para que seu reconhecimento seja chancelado.

Evitar discursos extremados e visões de mundo muitas vezes excludentes é evitar que uma prática repudiável seja banalizada. 

A política é uma atividade de promoção do bem. E o indivíduo possui uma “inviolabilidade fundada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar”, defende John Rawls, em Uma teoria da Justiça.

Portanto, o sujeito pragmático – aquele que vive sua vida própria –, como pontuou Michel Pêcheux, em O discurso: estrutura ou acontecimento, não pode ser preterido em favor de uma concepção fechada de “homem”, indiferente às multiplicidades.

Por fim, os candidatos que se apresentam na nossa realidade política devem ser analisados, primeiramente, pelo que defendem política e socialmente: sua visão de mundo e de homem.

O discurso político não é trivial. Se validado pelo povo, pode materializar-se sobre todos e cada um.

É racional ser sensato.

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