Mill e a promoção da felicidade: Utilitarismo

JOHN STUART MILL |
George Frederick Watts
O Bem é um fim que percorre todo o pensamento filosófico. Eu me atreveria a afirmar que é o conceito-fim sobre o qual a filosofia mais se debruçou. Senão o maior, está entre os poucos maiores.

Bem e justiça se confluem. Platão redige a República sobre a noção de Justiça. Aristóteles, por sua vez, na Ética a Nicômaco, defende que a política é a arte de promover o Bem. E o Bem é o objeto primordial desta sua obra.

Aristóteles já defendia o termo Eudaimonia, que comumente é traduzido como felicidade. Mas esta tradução é controversa e não retrata fidedignamente o que o grego queria passar.

Grosso modo: Eu (bom) + daimon (espírito/gênio). Significa, de forma resumida, que a Eudaimonia é uma forma de o homem estar de posse de um bom espírito/gênio, ou seja, de ser capaz de ações deliberadas e calculadas, visando sempre ao justo.

Vemos, portanto, que o tema do bem/justiça/bem estar não é recente.

No século XIX, o inglês John Stuart Mill (1803-1873), tributário do também inglês e seu contemporâneo Jeremy Bentham (1748-1832), escreveu uma de suas principais obras: Utilitarismo (Hunter Books, 2014).

Segundo o que a teoria utilitarista nos traz, como o Princípio da Utilidade (ou da Maior Felicidade), “as ações estão certas na medida em que tendem a promover felicidade, erradas ao passo em que tendem a produzir o reverso da felicidade.” (p. 98).

Por “felicidade” Mill entende o prazer e a ausência de dor. O autor não faz uma teoria da felicidade. Toma como concepção básica esta definição elementar.

O prazer a que Mill se refere não é o prazer carnal ou prazeres efêmeros. Prioriza a qualidade em detrimento da quantidade. 

Mais valem prazeres duradouros e que vão proporcionar o aumento da felicidade geral – tanto individual quanto coletiva – do que prazeres que, adiante, poderão se transformar em dores ou que não incorram em aumento da felicidade.

Para julgar os prazeres preferíveis, Mill defende que, entre prazeres distintos, aqueles que todas ou quase todas as pessoas preferirem, por já terem tido experiência, já serve de critério (p. 101).

É preciso frisar que felicidade, neste caso, não é simples contentamento ou euforia. Para que se julguem os prazeres é preciso levar em conta os sentimentos nobres de quem os julga.

Mill defende que os prazeres intelectuais são aqueles que devem ser cultivados. Tais prazeres têm uma característica de perenidade, de constância e de superioridade em relação aos prazeres mais banais.

No entanto, como parece muito improvável que todas as pessoas ou a grande maioria delas possuam sentimentos nobres, por causa da má educação e das desigualdades existentes, parece ser inviável defender o utilitarismo nestes termos da felicidade.

Para superar isso, Mill defende que haja um grande “investimento” na educação, para que os indivíduos sejam “formados” com grande sensibilidade ao bem público (p. 109). Isso significa o cultivo de “nobreza de caráter”.

Ser um utilitarista é estar voltado, além de si próprio, para o bem comum ou o bem da coletividade, promovendo o aumento da felicidade geral. Isso implica em altruísmo e o respeito à alteridade (o outro).

Com estes valores – altruísmo e alteridade –, para um utilitarista sério, segundo Mill, a abdicação de prazeres pessoais é válida quando esta renúncia visar ao aumento da felicidade total.

“A moralidade utilitarista reconhece nos seres humanos o poder de sacrificarem o seu próprio maior bem pelo bem de outros. [...] Para ela, um sacrifício que não aumenta nem tende a aumentar o total de felicidade é um desperdício.” (p. 112-113).

Assim, a abdicação só é justificada levando em conta esta finalidade utilitária. A utilidade pública é o único meio justificável de tornar uma renúncia pessoal justa (p. 116).

Mill pontua que o sentimento de justiça já existe, em menor grau, nos animais, como instinto. No homem, este sentimento se torna maior em termos de grau. 

Quando um animal protege sua prole ou seu grupo de ataques de predadores, “punindo” os agressores, isso se configura como um instinto que, nos homens, se torna mais complexo e sofisticado: o sentimento de justiça.

No homem, este sentimento se estende à sua compreensão de coletividade, esta sendo composta da confluência de interesses diversos (p. 171-172).

Contudo, Mill distingue justiça de moralidade.

Justiça diz respeito a direitos – implicando em obrigações morais. Moralidade refere-se ao sentimento geral de fazer a coisa certa.

Direito é aquilo que deve ser respeitado e protegido pelo indivíduo e pelas instituições. Um exemplo trivial é o direito à vida: todos nós somos obrigados a não atentar contra a vida do outro. E cada um pode requerer a obrigação de outrem ao respeito a este direito. 

O altruísmo e a beneficência, por exemplo, são exemplos genéricos de moralidade. Todos desejam um comportamento altruísta ou beneficente a si dispensado. Entretanto, ninguém tem a obrigação moral, em termos de dever, de agir com beneficência.

O dever, no caso de proteger ou respeitar um direito, é algo que pode ser exigido (p. 167). Enquanto podemos exigir que os outros respeitem nosso direito à vida, não podemos fazer o mesmo para que ajam com beneficência para conosco.

O utilitarismo clássico, do qual Mill é um dos dois maiores expoentes, é a pretensão de gerar, por meio de ações morais, a felicidade – ou do próprio agente ou da coletividade.

Toda ação, dessa forma, deve estar ancorada no seu objetivo final. A sua prática deve estar de acordo com a promoção do maior bem estar. 

O utilitarismo não é uma teoria generalista, de princípios rígidos e ideais. Ele está, por excelência, aderido às circunstâncias. Só a partir destas é que ele vislumbra uma ação que propicia sua finalidade: a felicidade.

Em resumo e para finalizar, o utilitarismo de Mill é uma diretriz geral para nortearmos nossas ações morais e julgarmos práticas de outrem e de instituições. 

Na história do pensamento, de Bentham e Mill para cá, o utilitarismo foi criticado e reformulado levando em conta outros aspectos teóricos e práticos. Afinal, nenhuma teoria filosófica perpassa pela história imaculadamente.

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