Cérebro e robô: uma leitura de João de Fernandes Teixeira

A TIRANIA TECNOCRATA | Alan Watt
O século XXI, em especial, é marcado pelo desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial (IA). A tentativa de replicar atividades cerebrais, que se pensava ser capacidade exclusiva de “organismos superiores”, é cada vez mais posta em pauta.

O filósofo da mente brasileiro, João de Fernandes Teixeira, tem um longo percurso que pensa a relação entre a neurociência e as bases que fundam o que conhecemos como homem, de um ponto de vista filosófico.

Seu livro O cérebro e o robô: inteligência artificial, biotecnologia e a nova ética (Paulus, 2015) percorre as tentativas e as respectivas dificuldades de a ciência desenvolver fidedignas funções cerebrais por meio da tecnologia.

Composta de seis capítulos, a obra inicia-se no pensamento cartesiano, enquanto precursor da robótica. Descartes, vivendo no século XVII, se ocupou com a questão dos autômatos – seres autônomos que equivalem ao que chamamos, hoje, de robô.

Esse pensador francês questionava se era possível produzir um ser artificial que fosse capaz de realizar todas as funções humanas, autenticamente. Contudo, o filósofo afirmava que um autômato não possuiria alma.

Com isso, se elevava ainda mais a grande e antiga dicotomia entre corpo e alma. Ao passar dos séculos, sobretudo no século XX, essa divisão foi substituída pela bipartição corpo-mente ou cérebro-mente. A alma passou a dar lugar ao que se chamou de estados/fenômenos mentais.

A ciência saiu do mecanicismo cartesiano para novas compreensões que não são mais da esfera do intuitivo. Como afirma Teixeira, por meio da ciência atual, “o universo é concebível, mas não é mais imaginável, pois a física deixou de ser geometria, como supunha Descartes.” (p. 51-52).

Agora, o pensamento e os experimentos científicos são produtos de observações minuciosas e de deduções que não estão evidenciadas pelo diretamente empírico.

A partir das últimas décadas do século XX, o desenvolvimento científico apresentou avanços para solucionar problemas graves que afetam a humanidade, como o aquecimento global, por exemplo. 

No entanto, o desenvolvimento e uso da tecnologia precisam estar de acordo com os propósitos e direitos humanos, para que aquilo que deveria ser benefício não se torne malefício. Tecnologia e abismo é tema do segundo capítulo do escrito de Teixeira. Faz-nos pensar, ética e cuidadosamente, a tecnologia.

O terceiro capítulo entra, de fato, nos problemas entre IA e homem. 

A singularidade – concepção criada pelo autor de ficção científica Vernor Vinge – é o fenômeno a ser alcançado pela IA. Este termo refere-se à capacidade cumulativa do hardware em analisar dados e realizar tarefas. Assim, quanto mais um sistema acumular e apresentar esta aptidão, mais próximo ao ser humano ele chega.

Teixeira, entretanto, nos mostra que a singularidade não é a única característica humana. O homem é constituído de outros quesitos para além da análise de dados complexos e realização de tarefas.

A capacidade de significar – os sentimentos, as ações, as coisas e o mundo – é a condição mais peculiar que nos torna humanos.

Gerar informações relevantes para si, isto é, selecionar aquilo que considera relevante dentro das informações que manipula é o caráter significante que parece escapar às máquinas inteligentes. Isso não significa simplesmente a seleção de dados visando um objetivo – o que as máquinas conseguem fazer –, mas eleger aquelas que realmente têm sentido para si próprio. Isso é ser consciente.

A consciência, assim, enquanto um problema de difícil compreensão, permeia toda a filosofia da mente e, em grande medida, as neurociências. Há grandes debates acerca deste fenômeno.

No capítulo IV, O enigma do significado, Teixeira provoca: “uma máquina pode chegar à sofisticação de fazer tudo o que um ser humano faz, mas nem por isso seria possível dizer que ela é consciente.” (p. 89).

Significado implica em compreensão, intencionalidade (que é estar sempre pensando em alguma coisa) e o uso da linguagem para representar o mundo já representado pelos estados mentais.

O autor expõe a dificuldade de objetivar a consciência. “[Com a neuroimagem] até agora ainda não foi possível detectar o que torna um estado mental consciente nem, tampouco, os correlatos neurais da compreensão.” (p. 98).

No capítulo V é abordado o tema do transumanismo. Esta perspectiva vê o futuro do humano como uma congruência entre o biológico e o tecnológico, ou seja, o homem absolutamente dotado de mecanismos artificiais para melhoria de performance, inteligência, longevidade etc.

O último capítulo do livro, o VI, especula as possibilidades de experimentos cultivando cérebros in vitro ou conectando estes cérebros a computadores. Tudo isso para saber se cérebros e artifícios computacionais se equivalem.

O problema da mente é tão de difícil entendimento que me utilizo da passagem de John Horgan, em A mente desconhecida: “se existe algum aspecto da natureza que mostrou ser mais do que a soma de suas partes, é a natureza humana”. Isso revela a sua alta complexidade, de tal modo que as descrições individuais, mesmo quando juntas, não elucidam a consciência.

A obra de Teixeira nos traz muito mais detalhes e dados históricos, filosóficos e neurocientíficos do que esta sucinta resenha poderia mencionar. Só sua leitura, rica e prazerosa para quem tem afinidade com a temática, proporciona esse conhecimento geral sobre o estado da arte.

O livro ainda provoca reflexão ética acerca das consequências da tecnologização do mundo, tanto para o nosso entendimento do que é ser humano, como para as relações humanas e para o trabalho.

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