Retrato de André Vesálio no De Humani Corporis Fabrica |
O empirismo – a “experiência sensorial” – se ergue para além da mitologia e, em tempos mais recentes, da teologia.
Compreender um organismo, que é factual – mas, ao mesmo tempo, livre –, requer manejo físico. Uma maquinaria anatomofisiológica, palpável, passível de ser estudada materialmente. Contudo, também capaz de escolhas imprevisíveis.
E assim a materialidade do corpo foi, nos primórdios, relacionada: a matéria visceral era manejável, completamente capaz de ser compreendida fisicamente. O outro mundo, aquele das escolhas, da fisiologia ininterrupta, das estruturas microscópicas então impensáveis, era apenas inferido.
Foi o fato não apenas de possuir vida, mas, também, de ser munido da capacidade de sentir e desejar que fez dos homens e animais objetos de investigação na antiguidade.
No mundo ocidental, Aristóteles (384-322 a.C.) – talvez o mais científico dos filósofos antigos – foi um dos primeiros pensadores a sistematizar um estudo animal pautado na observação das estruturas corpóreas.
É nessa congruência entre materialidade e induções que a anatomia, em sua raiz, foi irmã da filosofia; depois, da teologia. Por fim, libertou-se das amarras puramente intelectuais e/ou religiosas.
Mas não pretendo fazer um resumo da história da anatomia/fisiologia/medicina.
Conhecer o organismo não é mais tarefa do autoritarismo filosófico de outrora. Também não mais da Igreja. Nem está mais sobre os ditames desta, desde a revolução causada por André Vesálio e William Harvey, no século XVI, na anatomia humana e fisiologia cardiovascular, respectivamente.
O verbo, tornado carne, necessitou ser dissecado. Suas partes, nomeadas. Os nomes, classificados, protocolados e utilizados para universalizar um conhecimento científico. Tudo se resumiu ao toque, ao manuseio. E as ciências biológicas atuais são a soma de todos os manuseios e todas as manipulações realizadas e ainda por realizar.
O verbo, imaterializado, ficou para os linguistas do céu. A carne, tudo aquilo que não é produto puramente imagético, povoa os laboratórios.
A cura física é material. Sua busca, tangível. Talvez intangível seja o verbo que encolheu frente à carnificação da vida.
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